quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Peregrinar






É tão forte e tão densa a experiência de visitar os Lugares Santos, que há quem diga, que pouco importa o modo como ali se vai. A minha, porém, diz-me o contrário.
Em boa verdade, cada um daqueles Lugares é o que é e não deixa de o ser sejam os visitantes peregrinos ou turistas. Mas a questão é mesmo essa: o que está em causa não é o que se visita, não são os Lugares… sou eu. E eu posso olhar a mesma realidade só com os olhos ou também com o coração. As mesmas pedras, a mesma paisagem, enfim, o mesmo Lugar pode ser agradável, interessante e mesmo historicamente significativo. Ou, bem para lá dessa aparência, ser memória viva e tangível desse Outro que veio ao meu encontro para trazer a boa-nova de que a vida não é a contagem finita do meu tempo, mas antes aquela dádiva do Criador que permanece para lá do tempo.
Uma coisa é olhar a realidade. Outra, bem diferente, é descobrir o sinal que ela me revela e que me remete para uma realidade maior. Uma coisa é o que eu vejo e descrevo, outra bem mais rica, é o que aquilo me diz e como interpela a minha vida. O turista preocupa-se com a estética, com a forma e com a ambiência. O peregrino, deixa-se tocar e comover diante do sinal da misericórdia de que aquela mesma realidade é prova.
Na Terra Santa, passar ao lado deste significado de cada Lugar é, para nós cristãos, um desperdício de graça. Este contraste torna-se ainda mais gritante quando nem sequer a beleza está presente, quando não nos é agradável o que vemos, mas é determinante o que ali experimentamos e destes exemplos está cheia a Terra Santa. Se é deslumbrante a paisagem que se avista do cimo do Tabor, é desconcertante o caudal magro e lamacento do Jordão a jusante do Mar de Tiberíades; se é encantadora a simplicidade austera da Igreja da Multiplicação, é de desconforto a primeira impressão da Basílica da Natividade, de aparência tão pouco nossa. No entanto, poucos lugares no mundo haverá onde o nosso coração se pode comover, como no estar silencioso diante do Lugar do Presépio ou como o tocar aquelas águas barrentas com que o Baptista baptizou o próprio Cristo.
Creio pois firmemente que não há outra maneira cristã de percorrer a Terra Santa que não seja a de o fazer como peregrino. Ir de Lugar em Lugar com um coração mendicante, atento à memória que os Evangelhos me guardam, e diante deles descobrir o sentido e o alcance de cada gesto e de cada palavra do meu Senhor. A par do caminho que vou fazendo, outro faço dentro de mim, percorrendo a minha vida, confrontando-a com as propostas que Cristo fez, naquele tempo e naquela terra, e continua a fazer-me no hoje da minha vida.
Peregrino é, pois, aquele que percorre a Palestina com tensão e atenção, de coração aberto e dócil ao que o Senhor lhe quer dizer na simples contemplação dos Lugares que foram seus e onde escreveu a história da Salvação.
Mas esta certeza não nasce da minha simples experiência várias vezes repetida. Aprendi o sentido de peregrinar, antes de mais, com a Igreja, Santa e Mãe, ela própria peregrina sobre a Terra , que caminha rumo ao destino que o Senhor traçou para ela e para todos aqueles que, nela e com ela, atravessam o mundo. Aprendi depois com aqueles que o Senhor me pôs no caminho para me conduzir na minha própria peregrinação: este meu tempo de vida, num espaço determinado e pessoas concretas com quem condivido a minha condição de vivente. Aprendi ainda com judeus e árabes que encontrei naquele lugar, a terra que foi a d’Ele, descendentes do mesmo povo, sofredores das mesmas dores, apaixonados pelo seu chão, adoradores do mesmo Deus.
Aprendi e continuo a aprender, porque esta aprendizagem faz-se peregrinando. Mas sei também que só saberei o que é ser peregrino no dia, que espero, em que peregrinar já não há-de fazer sentido, no dia em que encontrar a Morada que procuro, o Descanso porque anseio, a Água que me mata a sede, a Plenitude que, por fim, há-de serenar o meu coração.
Bom é Aquele que me faz peregrino e Se faz, Ele próprio, companhia do meu peregrinar.

Rui Corrêa d’Oliveira

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