domingo, 26 de dezembro de 2010

«Paz e bem!»


Paz e bem: A saudação de São Francisco ajuda-nos a saborear a eterna novidade do Natal, acompanha-nos para a verdade, afastando-nos de tudo aquilo que empobrece e torna ambíguo o significado desta festa. Não deixemos que passe em vão este enésimo, embora sempre novo, Natal.
O Natal não pode deixar de inquietar-nos: é uma festa que parece ter perdido seu sentido mais íntimo e autêntico, e que nos leva a perguntar quem é para nós aquele menino, a ver Deus num menino, a crer num Deus que escolhe encerrar toda a Sua grandeza na pequenez da nossa humanidade.

E o Natal não é somente Jesus que nasce em Belém, onde nasceu historicamente há pouco mais de dois mil anos atrás. Natal é Jesus, Filho de Deus, que também este ano como em cada dia desde aquele tempo antigo, para os homens do seu tempo como para cada um de nós hoje, espera que lhe guardemos um lugar, espera nascer no nosso coração. O Natal é um compromisso de conversão. É aceitar responder ao que Deus de nós espera.
Chamados pela fé a esperá-lo na glória, o Natal vem fixar a nossa atenção na espera de Deus: a Sua infinita espera de que a humanidade encontre um lugar para Ele na história quotidiana, na vida de todos os dias, na solidariedade humilde que nos pediu o próprio Jesus, assegurando-nos: Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo; dizendo-nos também onde podemos encontrar os seus olhos e as suas mãos, por onde caminhar juntos e de onde dirigir o nosso olhar para o horizonte do qual Ele voltará: pobres sempre os tereis convosco …

Não o deixemos passar em vão.
Que a palavra de Deus nos ajude e nos guie a conservar a esperança, enquanto esperamos que venha o Senhor da Glória.
O Menino Jesus nos livre do medo de estar no dia-a-dia da história, na solidão de quem não sabe fazer-se dom aos outros, e nos reúna num movimento coral onde nos descobrimos levados pelo amor e capazes, por graça, de levar avante aquele pedacinho da história, único e precioso, que o Senhor colocou nas nossas mãos.
Que o Natal seja para todos esta conversão do nosso olhar, darmo-nos conta de que o Reino avança, é já presente; que eu, nós, todos juntos, possamos fazer com que se torne presente. Eis agora a necessidade de olhar a criação, olhar o mundo, olhar o Médio Oriente, esta “nossa” Terra Santa – Terra de Deus e Terra dos Homens – “do alto”, com o olhar de Deus. Façamos nossa, com intensidade e audácia, humildade e força, com a coragem e a fantasia do sonho que se torna realidade se formos muitos a sonhá-lo, as palavras do Papa Bento XVI na inauguração do Sínodo dos Bispos do Médio Oriente: “olhar esta parte do mundo pela perspectiva de Deus significa reconhecer nela o berço de um desígnio universal de salvação no amor, um mistério de comunhão que se realiza na liberdade e por isso pede aos homens uma resposta”. A cada um é dada a responsabilidade de acolher a proposta d’Aquele que nos criou e que renova em nós, em cada dia, a sede de sermos felizes.

Não o deixemos passar em vão. Respondamos à espera de Deus, que Se fez Menino para que pudéssemos chegar até Ele como se fosse Ele a necessitar de nós. Porque o coração da nossa espera está no saber que Deus nos espera, pacientemente, desde há muito. Acolhidos pela Sua espera, renovados pelo Seu perdão e pela Sua graça, homens de misericórdia e de reconciliação, de liberdade e de justiça, seremos então capazes de escutar – entre o ruído da nossa confusa realidade – o anúncio dos anjos: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.»

Feliz Natal!


Jerusalém, 22 de Dezembro de 2010

Frei Pierbaptistta Pizzaballa
Custódio da Terra Santa

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Entre os filhos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista

Tintoretto, Nascimento de S. João Baptista (1540-41)

Domingo III do Advento
12 de Dezembro de 2010


Evangelho – Mt 11,2-11

Naquele tempo, João Baptista ouviu falar, na prisão, das obras de Cristo e mandou-Lhe dizer pelos discípulos:«És Tu Aquele que há-de vir ou devemos esperar outro?»
Jesus respondeu-lhes:«Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a boa nova é anunciada aos pobres. E bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo».Quando os mensageiros partiram, Jesus começou a falar de João às multidões: «Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento? Então que fostes ver? Um homem vestido com roupas delicadas? Mas aqueles que usam roupas delicadas encontram-se nos palácios dos reis. Que fostes ver então? Um profeta? Sim – Eu vo-lo digo – e mais que profeta.É dele que está escrito: ‘Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, para te preparar o caminho’. Em verdade vos digo: Entre os filhos de mulher,não apareceu ninguém maior do que João Baptista. Mas o menor no reino dos Céus é maior do que ele».

AMBIENTE
Na secção precedente do Evangelho (cf. Mt 4,17-11,1), Mateus apresentou de forma sistemática o anúncio do “Reino”, manifestado nas palavras e nos gestos de Jesus, e difundido pelos seus discípulos… Agora, começa outra secção, em que todo o interesse do evangelista é mostrar as atitudes que as distintas pessoas ou grupos vão assumir diante de Jesus (cf. Mt 11,2-12,50). A narração é retomada com a pergunta dos enviados de João Baptista (que está na prisão, por ordem de Herodes Antipas, a quem o Baptista havia criticado por viver maritalmente com a cunhada – cf. Mt 14,1-5): Jesus é mesmo “o que está para vir”? A pergunta não é ociosa… João esperava um Messias que viesse lançar fogo à terra, castigar os maus e os pecadores, dar início ao “juízo de Deus” (cf. Mt 3,11-12); e, ao contrário, Jesus aproximou-Se dos pecadores, dos marginais, dos impuros, estendeulhes a mão, mostrou-lhes o amor de Deus, ofereceu-lhes a salvação (cf. Mt 8-9). João e os seus discípulos estão, pois, desconcertados: Jesus será o Messias esperado, ou é preciso esperar um outro que venha actuar de uma forma mais decidida, mais lógica e mais justiceira? Mateus tem um interesse especial pela figura de João Baptista. Para ele, João é o precursor, que veio preparar os homens para acolher Jesus. É provável que, ao fazer esta apresentação, o evangelista se queira dirigir aos discípulos de João que ainda continuavam activos na época em que o Evangelho foi escrito… Mateus pretende clarificar as coisas e “piscar o olho” aos discípulos de João, no sentido de que eles adiram à proposta cristã e entrem na Igreja de Jesus.



MENSAGEM
O nosso texto divide-se em duas partes… Na primeira, Jesus responde à pergunta de João e dá a entender que Ele é o Messias (vers. 2-6); na segunda, temos a apreciação que o próprio Jesus faz da figura e da acção profética de João (vers. 7-11). Jesus tem consciência de ser o Messias? A resposta é obviamente positiva; para dá-la, Jesus recorre a um conjunto de citações de Isaías que definem, na perspectiva dos profetas, a acção do Messias enviado de Deus: dar vida aos mortos (cf. Is 26,19), curar os surdos (cf. Is 29,18), dar vista aos cegos, dar liberdade de movimentos aos coxos (cf. Is 35,5-6), anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Is 61,1). Ora, se Jesus
realizou estas obras (cf. Mt 8-9), é porque Ele é o Messias, enviado por Deus para libertar os homens e para lhes trazer o “Reino”. A sua mensagem e os seus gestos contêm uma proposta libertadora que Deus faz aos homens. Na segunda parte, temos a declaração de Jesus sobre o Baptista. Mateus utiliza um recurso retórico muito conhecido: uma série de perguntas que convidam os ouvintes a dar uma resposta concreta. A resposta às duas primeiras questões é, evidentemente, negativa: João não é um pregador oportunista cuja mensagem segue as modas, nem um elegante convencido que vive no luxo. A resposta à terceira é positiva: João é um profeta e mais do que um profeta. A declaração, que começa com uma referência à Escritura (cf. Ex 23,20; Mal 3,1) pretende clarificar qual a relação entre ambos e o lugar de João no “Reino”: João é o precursor do Messias; é “Elias”, aquele que tinha de vir antes, a fim de preparar o caminho para o Messias (cf. Mal 3,23-24)… No entanto, aqueles que entraram no “Reino” através do seguimento de Jesus são mais do que Ele.


In Dehonianos - Liturgia

domingo, 5 de dezembro de 2010

Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus


Domingo II do Advento

05 de Dezembro de 2010


Evangelho – Mt 3,1-12


Naqueles dias, apareceu João Baptista a pregar no deserto da Judeia, dizendo: «Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus». Foi dele que o profeta Isaías falou, ao dizer: «Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». João tinha uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins. O seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre. Acorria a ele gente de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão; e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. Ao ver muitos fariseus e saduceus que vinham ao seu baptismo, disse-lhes: «Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai acções que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é o nosso pai’, porque eu vos digo: Deus pode suscitar, destas pedras, filhos de Abraão. O machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo. Eu baptizo-vos com água, para vos levar ao arrependimento. Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu e não sou digno de levar as suas sandálias. Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo. Tem a pá na sua mão: há-de limpar a eira e recolher o trigo no celeiro. Mas a palha, queimá-la-á num fogo que não se apaga».


Ambiente

Depois do Evangelho da Infância (cf. Mt 1-2), Mateus apresenta a figura que prepara os homens para acolher Jesus: João Baptista. João foi o guia carismático de um movimento de cariz popular, que anunciava a proximidade do juízo de Deus. Vivia no deserto de Judá, nas margens do rio Jordão. A sua mensagem estava centrada na urgência da conversão (pois o “juízo de Deus” estava iminente); incluía um rito de purificação pela água – um rito muito frequente, entre alguns grupos judeus da época. É possível que João estivesse, de alguma forma, relacionado com essa comunidade essénia que estava instalada em Qûmran (o tema do juízo de Deus e os rituais de purificação pela água faziam parte do dia a dia da comunidade essénia). Segundo a mais antiga tradição cristã, Jesus esteve muito relacionado com o movimento de João, nos inícios da sua vida pública e alguns discípulos de João tornaram-se, a partir de certa altura, discípulos de Jesus (cf. Jo 1,35-42). Os primeiros cristãos identificaram João com o mensageiro anunciado em Is 40,3 e com Elias (2 Re 1,8) que, segundo a tradição judaica, anunciaria a chegada do Messias (Mt 11,14; 17,11; Mal 3,23-24 ou, noutras versões, 4,5-6). Nesta interpretação, João seria o precursor que vem preparar o caminho e Jesus o Messias, enviado por Deus para anunciar o reinado de Jahwéh.


Mensagem

Nesta primeira apresentação do Baptista, há vários factores que nos interessa pôr em relevo: a figura, a mensagem, as reacções ao anúncio e a comparação entre o baptismo de João e o baptismo de Jesus. A figura do Baptista é uma figura que, por si só, nos questiona e interpela. João aparece ligado ao deserto (o lugar das privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional do encontro entre Jahwéh e Israel) e não ao Templo ou aos sítios “in” onde se reúne a sociedade selecta de Jerusalém; usa “uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (é dessa forma que se vestia, também, Elias – cf. 2 Re 1,8), não as roupas finas, com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes da capital; a sua alimentação frugal (de “gafanhotos e mel silvestre”) está em profundo contraste com as iguarias finas que enchem as mesas da classe dirigente… João é, portanto, um homem que – não só com palavras, mas também com a sua própria pessoa – questiona um certo jeito de viver, voltado para as coisas, para os bens materiais, para o “ter”. Convida a uma conversão, a uma mudança de valores, a esquecer o supérfluo, para dar atenção ao essencial. O que é que João prega? Mateus resume o anúncio de João numa frase: “converteivos (“metanoeite”), porque está perto o Reino dos céus” (vers. 2). O verbo grego (metanoéo) aqui utilizado tem, normalmente, o sentido de “mudar de mentalidade”; mas, aqui, deve ser visto na perspectiva do Antigo Testamento – isto é, como um apelo a um retorno incondicional ao Deus da Aliança. Porque é que esta “conversão” é tão urgente? Porque o “Reino dos céus” está perto. Muito provavelmente, João ligava a vinda iminente do “Reino” ao “juízo de Deus”, que iria destruir os maus e inaugurar, com os bons, um mundo novo (por isso, fala da “cólera que está para vir” – vers. 7; e acrescenta: “o machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo” – vers. 10). A conversão era urgente, na perspectiva de João, pois aproximava-se a intervenção justiceira de Deus na história humana; quem não estivesse do lado de Deus seria aniquilado… É uma perspectiva muito em voga em certos ambientes apocalípticos da época, nomeadamente na teologia dos essénios de Qûmran. Quem são os destinatários desta mensagem? Aparentemente, é uma mensagem destinada a todos. Mateus fala da “gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão” e que era baptizada “por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados” (vers. 5-6). No entanto, Mateus faz uma referência especial aos fariseus e saduceus, para quem João tem palavras duríssimas: “raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai acções que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: «Abraão é nosso pai»…” (vers. 7-9). Trata-se de pessoas que “à cautela” ou por curiosidade, vêm ao encontro de João; no entanto, sentem que o “juízo de Deus” não os atingirá porque eles são filhos de Abraão, são membros privilegiados do Povo eleito e estão do lado dos bons: Deus não terá outro remédio senão salvá-los, quando vier para julgar o mundo e condenar os maus. João avisa que não há salvação assegurada obrigatoriamente a quem tem o nome inscrito nos registos do Povo eleito: é preciso viver em contínua conversão e fazer as obras de Deus: “toda a árvore que não dá fruto, será cortada e lançada ao fogo” (vers. 10). Neste texto aparece também, em relevo, um rito praticado por João. Consistia na imersão na água do rio Jordão das pessoas que aderiam a esse apelo à conversão. Era, aliás, um rito praticado em certos ambientes judaicos para significar a purificação do coração (nos ambiente essénios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direcção a uma vida pura e a aspiração à graça purificadora)… O baptismo de João significava o arrependimento, o perdão dos pecados e a agregação ao “resto de Israel”, subtraído à ira de Deus. No entanto, João avisa: “aquele que vem depois de mim (…) baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (vers. 11). De facto, o baptismo de Jesus vai muito além do baptismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (Espírito) e torna-o “filho de Deus”; implica, além disso, uma incorporação na Igreja (a comunidade dos que aderiram à proposta de salvação que Cristo trouxe) e a participação activa na missão da Igreja (cf. Act 2,1-4). Não significa, apenas, o arrependimento e o perdão dos pecados; significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com Deus e de fraternidade com Jesus e com todos os outros baptizados.


In Dehonianos - Liturgia

Festa da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria




Queridos Peregrinos da Terra Santa

No próximo dia 8 a Igreja celebra a festa da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Como já vão percebendo, na estrutura da nossa Peregrinação, procurámos “começar pelo Princípio” e por isso, deixamos Tel Aviv e vamos directos para Nazaré. É aí que queremos começar porque foi aí que tudo começou: pelo «Faça-se» de Maria, Deus encarnou no seu seio, «fez-Se homem, em tudo igual a nós, excepto no pecado.»

Ora o que então aconteceu em Nazaré é uma verdade desde sempre acreditada pela Igreja através das gerações e solenemente proclamada como Dogma de Fé pelo Terceiro Concílio de Éfeso no ano 431.

Com efeito, o uso do termo Theotokos (Mãe de Deus) foi formalmente afirmado como dogma no Terceiro Concílio Ecuménico realizado em Éfeso, em 431. A visão contrária, defendida pelo patriarca de Constantinopla Nestório era que Maria devia ser chamada de Christotokos, que significa "Mãe de Cristo", para restringir o seu papel como mãe apenas da natureza humana de Cristo e não da sua natureza divina.

Os adversários de Nestório, liderados por Cirilo de Alexandria, consideravam isto inaceitável, pois Nestório estava a destruir a união perfeita e inseparável da natureza divina e humana em Jesus Cristo, uma vez que em Cristo «O Verbo se fez carne» (João 1:14), ou seja o Verbo (que é Deus - João 1:1) é a carne; e a carne é o Verbo, Maria foi a mãe da carne de Cristo e por consequência do Verbo. Cirilo escreveu que "Surpreende-me que há alguns que duvidam que a Virgem santa deve ser chamada ou não de Theotokos. Pois, se Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus, e a Virgem santa deu-o à luz, ela não se tornou a [Theotokos]? A doutrina de Nestório foi considerada uma falsificação da Encarnação de Cristo, e por consequência, da salvação da humanidade. O Concílio aceitou a argumentação de Cirilo, afirmou como dogma o título de Theotókos de Maria, e anatematizou Nestório, considerando a sua doutrina (Nestorianismo) como uma heresia.

Acontece, porém com frequência, vermos em muitos católicos alguma confusão entre os dogmas definidos pela Igreja sobre a Virgem Maria, em particular a Imaculada Conceição, a Maternidade Divina e a Virgindade de Maria.

Aproveitemos então esta Festa de 8 de Dezembro para “arrumarmos as ideias”.




Comecemos pela Imaculada Conceição da Virgem Maria


A definição do dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria
Bula «Ineffabilis Deus»


41. Por isto, depois de na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja, a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse de dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos com gemidos o Espírito consolador; por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:
Doctrinam, quæ tenet, beatissimam Virginem Mariam in primo instanti suæ conceptionis fuisse singulari omnipotentis Dei gratia et privilegio, intuitu meritorum Christi Jesu Salvatoris humani generis, ab omni originalis culpæ labe præservatam immunem, esse a Deo revelatam atque idcirco ab omnibus fidelibus firmiter constanterque credendam.
A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser acreditada firme e inviolavelmente por todos os fiéis.



Dado em Roma, junto a S. Pedro,
no ano mil e oitocentos e cinquenta e quatro da Encarnação do Senhor,
a 8 de Dezembro de 1854, nono ano do Nosso Pontificado.
Pius IX



Porque esta «singular graça e privilégio de Deus» foi concedido por Deus «em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano», compreende-se que o Evangelho deste dia seja a descrição da Anunciação do Anjo a Nossa Senhora, momento em que Ela concebe no seu seio Jesus, o Filho de Deus.

Nada mais oportuno do que lembrar aqui as palavras do Papa Bento XVI na sua mais recente Exortação Apostólica “Verbum Dominum”:



Maria «Mater Verbi Dei» e «Mater fidei»



27. Os Padres sinodais declararam que o objectivo fundamental da XII Assembleia foi «renovar a fé da Igreja na Palavra de Deus»; por isso é necessário olhar para uma pessoa em Quem a reciprocidade entre Palavra de Deus e fé foi perfeita, ou seja, para a Virgem Maria, «que, com o seu sim à Palavra da Aliança e à sua missão, realiza perfeitamente a vocação divina da humanidade». A realidade humana, criada por meio do Verbo, encontra a sua figura perfeita precisamente na fé obediente de Maria. Desde a Anunciação ao Pentecostes, vemo-La como mulher totalmente disponível à vontade de Deus. É a Imaculada Conceição, Aquela que é «cheia de graça» de Deus (cf. L c 1, 28), incondicionalmente dócil à Palavra divina (cf. L c 1, 38). A sua fé obediente face à iniciativa de Deus plasma cada instante da sua vida. Virgem à escuta, vive em plena sintonia com a Palavra divina; conserva no seu coração os acontecimentos do seu Filho, compondo-os por assim dizer num único mosaico (cf. L c 2, 19.51).
No nosso tempo, é preciso que os fiéis sejam ajudados a descobrir melhor a ligação entre Maria de Nazaré e a escuta crente da Palavra divina. Exorto também os estudiosos a aprofundarem ainda mais a relação entre mariologia e teologia da Palavra. Daí poderá vir grande benefício tanto para a vida espiritual como para os estudos teológicos e bíblicos. De facto, quando a inteligência da fé olha um tema à luz de Maria, coloca-se no centro mais íntimo da verdade cristã.
Na realidade, a encarnação do Verbo não pode ser pensada prescindindo da liberdade desta jovem mulher que, com o seu assentimento, coopera de modo decisivo para a entrada do Eterno no tempo. Ela é a figura da Igreja à escuta da Palavra de Deus que nela Se fez carne. Maria é também símbolo da abertura a Deus e aos outros; escuta activa, que interioriza, assimila, na qual a Palavra se torna forma de vida.
Nesta ocasião, desejo chamar a atenção para a familiaridade de Maria com a Palavra de Deus. Isto transparece com particular vigor no Magnificat. Aqui, em certa medida, vê-se como Ela Se identifica com a Palavra, e nela entra; neste maravilhoso cântico de fé, a Virgem exalta o Senhor com a sua própria Palavra: «O Magnificat – um retrato, por assim dizer, da sua alma – é inteiramente tecido de fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus. Desta maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de Deus; esta torna-se Palavra d’Ela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus. Além disso, fica assim patente que os seus pensamentos estão em sintonia com os de Deus, que o d’Ela é um querer juntamente com Deus. Vivendo intimamente permeada pela Palavra de Deus, Ela pôde tornar-Se mãe da Palavra encarnada».
Além disso, a referência à Mãe de Deus mostra-nos como o agir de Deus no mundo envolve sempre a nossa liberdade, porque, na fé, a Palavra divina transforma-nos. Também a nossa acção apostólica e pastoral não poderá jamais ser eficaz, se não aprendermos de Maria a deixar-nos plasmar pela acção de Deus em nós: «A atenção devota e amorosa à figura de Maria, como modelo e arquétipo da fé da Igreja, é de importância capital para efectuar também nos nossos dias uma mudança concreta de paradigma na relação da Igreja com a Palavra, tanto na atitude de escuta orante como na generosidade do compromisso em prol da missão e do anúncio».
Contemplando na Mãe de Deus uma vida modelada totalmente pela Palavra, descobrimo-nos também nós chamados a entrar no mistério da fé, pela qual Cristo vem habitar na nossa vida. Como nos recorda Santo Ambrósio, cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, porém, Cristo é o fruto de todos. Portanto, o que aconteceu em Maria pode voltar a acontecer em cada um de nós diariamente na escuta da Palavra e na celebração dos Sacramentos.


Verbum Dominum
Bento XVI




A Maternidade Virginal de Maria é solenemente afirmada pelo Segundo Concílio de Constantinopla, do qual transcrevemos os “Cânones” relativos a este tema:




Cânones do II Concílio de Constantinopla

2. Se alguém não confessa que há duas concepções do Verbo de Deus, uma antes dos tempos, do Pai, intemporal e incorporal, e a outra nos últimos dias, concepção da mesma pessoa, que desceu do céu e foi feito carne por obra do Espírito Santo e da gloriosa Genitora de Deus e sempre virgem Maria, e que dela nasceu, seja anátema.

6. Se alguém aplicar à gloriosa e sempre virgem Maria o título de "genitora de Deus" (theotókos) num sentido irreal e não verdadeiro, como se um simples homem tivesse nascido dela e não o Deus Verbo feito carne e dela nascido, enquanto o nascimento só deve ser "relacionado" com Deus o Verbo, como dizem, porquanto ele estava com o homem que foi nascido...




Por fim não há melhor fonte que o Catecismo da Igreja Católica que, em linguagem clara e actual, nos ilumina com a Luz da Fé que professamos:




CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA




487. O que a fé católica crê, a respeito de Maria, funda-se no que crê a respeito de Cristo. Mas o que a mesma fé ensina sobre Maria esclarece, por sua vez, a sua fé em Cristo.


A IMACULADA CONCEIÇÃO
490. Para vir a ser Mãe do Salvador, Maria «foi adornada por Deus com dons dignos de uma tão grande missão». O anjo Gabriel, no momento da Anunciação, saúda-a como «cheia de graça». Efectivamente, para poder dar o assentimento livre da sua fé ao anúncio da sua vocação, era necessário que Ela fosse totalmente movida pela graça de Deus.

491. Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria, «cumulada de graça» por Deus, tinha sido redimida desde a sua conceição. É o que confessa o dogma da Imaculada Conceição, procla-mado em 1854 pelo Papa Pio IX: «Por uma graça e favor singular de Deus omnipotente e em previsão dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada intacta de toda a mancha do pecado original no primeiro instante da sua conceição».

492. Este esplendor de uma «santidade de todo singular», com que foi «enriquecida desde o primeiro instante da sua conceição», vem-lhe totalmente de Cristo: foi «remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho». Mais que toda e qualquer outra pessoa criada, o Pai a «encheu de toda a espécie de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo» (Ef 1, 3). «N'Ele a escolheu antes da criação do mundo, para ser, na caridade, santa e irrepreensível na sua presença» (Ef 1, 4).

493. Os Padres da tradição oriental chamam ã Mãe de Deus «a toda santa» («Panaghia»), celebram-na como «imune de toda a mancha de pecado, visto que o próprio Espírito Santo a modelou e dela fez uma nova criatura». Pela graça de Deus, Maria manteve-se pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a vida.


MARIA – «SEMPRE VIRGEM»
499. O aprofundamento da fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem. Com efeito, o nascimento de Cristo «não diminuiu, antes consagrou a integridade virginal» da sua Mãe. A Liturgia da Igreja celebra Maria “Aeiparthenos” como a «sempre Virgem»

500. A isso objecta-se, por vezes, que a Escritura menciona irmãos e irmãs de Jesus. A Igreja entendeu sempre estas passagens como não designando outros filhos da Virgem Maria. Com efeito, Tiago e José, «irmãos de Jesus» (Mt 13, 55), são filhos duma Maria discípula de Cristo designada significativamente como «a outra Maria» (Mt 28, 1). Trata-se de parentes próximos de Jesus, segundo uma expressão conhecida do Antigo Testamento.

501. Jesus é o filho único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: «Ela deu à luz um Filho que Deus estabeleceu como "primogénito de muitos irmãos" (Rm 8, 29), isto é, dos fiéis para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe».

A MATERNIDADE VIRGINAL DE MARIA NO PLANO DE DEUS
502. O olhar da fé pode descobrir, em ligação com o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, no seu desígnio salvífico, quis que o seu Filho nascesse duma virgem. Tais razões dizem respeito tanto à pessoa e missão redentora de Cristo como ao acolhimento dessa missão por Maria, para bem de todos os homens:

503. A virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação. Jesus só tem Deus por Pai. «A natureza humana, que Ele assumiu, nunca O afastou do Pai [...]. Naturalmente Filho do seu Pai segundo a divindade, naturalmente Filho da sua Mãe segundo a humanidade, mas propriamente Filho de Deus nas suas duas naturezas».

504. Jesus é concebido pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, porque Ele é o Novo Adão, que inaugura a criação nova: «O primeiro homem veio da terra e do pó: o segundo homem veio do céu» (1 Cor 15, 47). A humanidade de Cristo é, desde a sua conceição, cheia do Espírito Santo, porque Deus «não dá o Espírito por medida» (Jo 3, 34). É da «sua plenitude», que Lhe é própria enquanto cabeça da humanidade resgatada que «nós recebemos graça sobre graça» (Jo 1, 16).

505. Jesus, o novo Adão, inaugura, pela sua conceição virginal, o novo nascimento dos filhos de adopção, no Espírito Santo, pela fé, «Como será isso?» (Lc 1, 34). A parti¬cipação na vida divina não procede «do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus» (Jo 1, 13). A recepção desta vida é virginal, porque inteiramente dada ao homem pelo Espírito. O sentido esponsal da vocação humana, em relação a Deus, foi perfeitamente realizado na maternidade virginal de Maria.

506. Maria é virgem, porque a virgindade é nela o sinal da sua fé, «sem a mais leve sombra de dúvida» e da sua entrega sem reservas à vontade de Deus. É graças à sua fé que ela vem a ser a Mãe do Salvador: «Beatior est Maria percipiendo fïdem Christi quam concipiendo carnem Christi – Maria é mais feliz por receber a fé de Cristo do que por conceber a carne de Cristo».

507. Maria é, ao mesmo tempo, virgem e mãe, porque é a figura e a mais perfeita realização da Igreja: «Por sua vez, a Igreja, que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da Palavra de Deus: efectivamente, pela pregação e pelo Baptismo, gera, para uma vida nova e imortal, os filhos concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu esposo».




Termino com a esperança de vos ter ajudado a relembrar coisas sabidas, mas que é sempre bom relembrar para que não sejam a ignorância ou o esquecimento culpados por uma errada interpretação do que aconteceu nos Lugares que vamos ver e tocar.

Embora me tenha socorrido quase exclusivamente de fontes verdadeiras e fidedignas, não sendo eu teólogo, nem sacerdote, tudo quanto aqui fica dito é da minha exclusiva responsabilidade e não compromete a Santa Igreja Católica, Mãe e Mestra e única depositária da Revelação.









Rui Corrêa d’Oliveira

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

S. José e a Virgindade de Maria


É preciso compreender que, numa sociedade em que a virgindade não era nem conhecida nem salvaguardada (pois nenhuma instituição a preservava, modelo algum a consagrava), o voto de Maria só poderia ser efectivado no casamento. O matrimónio tornara-se, então, uma necessidade: ela só poderia cumprir o desígnio escolhido, na realização do seu casamento: somente o casamento poderia constituí-la virgem.


Porém, como este enlace não podia ser contra a sua vocação virginal, Maria supunha que aquele que lhe fora designado como esposo, pela família, compreenderia e respeitaria o seu ideal. Este acto de abandono era, então, igualmente, um c de fé.

Eu presumo que os dois, José e Maria, eram jovens e plenamente conscientes, habitando o presente com inteira disponibilidade, sem conhecer o extraordinário futuro que os aguardava. Imagino José jovem, forte, silvestre e vivaz, assim como o pastor libanês descrito no Cântico dos Cânticos.

Por que não teria ele amado? Nem obtido o retorno do amor? (...)
Sem dúvida, José tinha o sentimento de afinidade com aquela jovem, e sentia a imensa superioridade dela sobre ele. O amor do homem é modelado conforme o amor da mulher, que é a silenciosa educadora do estímulo viril. Maria purifica e “virginiza” José, assim como ”virginizaria” tantos jovens, com o seu sorriso, e a estirpe sacerdotal, que lhe deve a conservação do estado da virgindade viril, aqui na terra.

José e Maria haviam renunciado à paternidade e à maternidade; eles não sabiam o que os cercava, em termos de fecundidade nesse sacrifício; eles não tinham como pressentir o Inominado, o Incompreensível que sobreviria, serenamente, entre os dois.

E, no entanto, a união entre José e Maria, não se assemelhava a uma união fechada em si mesma, como se fosse uma clausura, um claustro para duas pessoas ou para uma, somente. Esta união seria dominada pela esperança. Devia haver entre os dois, o pressentimento de que um mundo novo nasceria da harmonia e da concordância entre ambos.


Jean Guitton
La Vierge Marie
Editions Montaigne, 1949