domingo, 28 de novembro de 2010

Vigiai para que estejais preparados


Domingo I do Advento
28 de Novembro de 2010

Evangelho – Mt 24,37-44

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como aconteceu nos dias de Noé, assim sucederá na vinda do Filho do homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca; e não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou. Assim será também na vinda do Filho do homem.
Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro deixado; de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e outra deixada. Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem.»


Ambiente
Os capítulos 24 e 25 do Evangelho segundo Mateus apresentam o último grande discurso de Jesus antes da sua paixão e morte. Para compô-lo, Mateus reelaborou o chamado “discurso escatológico” de Marcos (cf. Mc 13), ampliando-o e mudando substancialmente o tema central: se no discurso transmitido por Marcos a questão principal é a dos sinais que precederão a destruição de Jerusalém e do Templo, no discurso reelaborado por Mateus a questão central é a da vinda do Filho do homem e das atitudes com que os discípulos devem preparar a dita vinda.
Esta mudança de perspectiva pode explicar-se a partir da situação em que vivia a comunidade de Mateus e com as suas necessidades. Estamos na década de 80. Passaram dez anos sobre a destruição de Jerusalém e ainda não aconteceu a segunda vinda de Jesus. Os crentes estão desanimados e desiludidos… O evangelista contempla com preocupação os sinais de abandono, de desleixo, de rotina, de esfriamento que começam a aparecer na comunidade e sente que é preciso renovar a esperança e levar os crentes a comprometer-se na história, construindo o “Reino”.
Nesta situação, Mateus descobre que as palavras de Jesus encerram um profundo ensinamento e compõe com elas uma exortação dirigida aos cristãos. Esta exortação fundamenta-se numa profunda convicção: a vinda do “Filho do homem” é um facto certo, ainda que não aconteça em breve; enquanto não chega o momento, é preciso preparar este grande acontecimento, vivendo de acordo com os ensinamentos de Jesus. A linguagem destes capítulos é estranha e enigmática… Trata-se, no entanto, de um género usado com alguma frequência por alguns grupos judeus e cristãos da época de Jesus. É a linguagem “apocalíptica”, porque o seu objectivo é “revelar algo escondido” (“apocaliptô). Em muitas ocasiões, esta revelação é dirigida a comunidades que vivem
numa situação de sofrimento, de desespero, de perseguição; o objectivo é animá-las, dar-lhes esperança, mostrar-lhes que a vitória final será de Deus e dos que lhe forem fiéis.


Mensagem
Para Mateus, a vinda do Senhor é certa, embora ninguém saiba o dia nem a hora (cf. Mt 24,36); aos crentes resta estar vigilantes, preparados e activos… Para transmitir esta mensagem, Mateus usa três quadros… O primeiro (vers. 37-39) é o quadro da humanidade na época de Noé: os homens viviam, então, numa alegre inconsciência, preocupados apenas em gozar a sua “vidinha” descomprometida; quando o dilúvio chegou, apanhou-os de surpresa e impreparados… Se o “gozar” a vida ao máximo for para o homem a prioridade fundamental, ele arrisca-se a passar ao lado do que é importante e a não cumprir o seu papel no mundo.
O segundo (vers. 40-41) coloca-nos diante de duas situações da vida quotidiana: o trabalho agrícola e a moagem do trigo… Os compromissos e trabalhos necessários à subsistência do homem também não podem ocupá-lo de tal forma que o levem a negligenciar o essencial: a preparação da vinda do Senhor. O terceiro (vers. 43-44) coloca-nos frente ao exemplo do dono de uma casa que adormece e deixa que a sua casa seja saqueada pelo ladrão… Os crentes não podem, nunca, deixar-se adormecer, pois o seu adormecimento pode levá-los a perder a oportunidade de encontrar o Senhor que vem.
A questão fundamental é, portanto, esta: o crente ideal é aquele que está sempre vigilante, atento, preparado, para acolher o Senhor que vem. Não perde oportunidades, porque não se deixa distrair com os bens deste mundo, não vive obcecado com eles e não faz deles a sua prioridade fundamental… Mas, dia a dia, cumpre o papel que Deus lhe confiou, com empenho e com sentido de responsabilidade.
In Dehonianos - Liturgia

terça-feira, 23 de novembro de 2010

MEDITAÇÃO DE BENTO XVI SOBRE CRISTO REI




Angelus
21 de novembro de 2010

Queridos irmãos e irmãs

... A solenidade de Cristo Rei foi instituída pelo Papa Pio XI, em 1925, e, mais tarde, depois do Vaticano II, colocou-se ao final do ano litúrgico. O Evangelho de São Lucas apresenta, como num grande quadro, a realiza de Jesus no momento da crucifixão. Os chefes do povo e os soldados escarnecem do “primogénito de toda criatura” (Col 1, 15) e colocam-no à prova para ver se tem o poder para se salvar da morte (cf. Lc 23, 35-37). No entanto, “precisamente na cruz, Jesus está à altura de Deus, que é Amor. Ali se lhe pode ‘conhecer’. [...] Jesus nos dá ‘vida’ porque nos dá Deus. Pode-nos dar porque ele mesmo é um com Deus” (Bento XVI, "Jesus de Nazaré", Milão 2007, 399 404).
De facto, enquanto o Senhor parece passar desapercebido entre dois malfeitores, um deles, consciente de seus pecados, abre-se à verdade, alcança a fé e implora “ao rei dos judeus”: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino” (Lc 23, 42). De quem “é antes de todas as coisas e nele todas subsistem (Col 1, 17), o chamado “bom ladrão” recebe imediatamente o perdão e a alegria de entrar no Reino dos Céus. “Eu te asseguro que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Com estas palavras, Jesus, desde o trono da cruz, dá as boas-vindas a todos com misericórdia infinita.
Santo Ambrósio comenta que “é um bom exemplo de conversão ao que devemos aspirar: muito rápido ao ladrão é concedido perdão, e a graça é mais abundante que o pedido; o Senhor, de fato, diz Santo Ambrósio, sempre concede o que lhe é pedido [...] A vida consiste em estar com Cristo, porque onde está Cristo, ali está o Reino” (Expositio Evangelii secundum Lucam X, 121:.. CCL 14, 379).
Queridos amigos, o caminho do amor, que o Senhor nos revela e nos convida a percorrer, pode-se contemplar inclusive na arte cristã. De facto, antigamente, “na configuração dos edifícios sagrados [...] tornou-se habitual representar no lado oriental o Senhor que regressa como rei – imagem da esperança –, enquanto que do lado ocidental estava o Juízo final, como imagem da responsabilidade a respeito de nossa vida” (encíclica Spe Salvi, 41): esperança no amor infinito de Deus e compromisso para ordenar a nossa vida segundo o amor de Deus. Quando contemplamos as representações de Jesus inspiradas no Novo Testamento, como ensina um antigo Concílio, somos levados a “compreender [...] a sublimidade da humilhação do Verbo de Deus e [...] a recordar sua vida na carne, sua paixão e morte salvífica e a redenção que dela se deriva para o mundo” (Concílio de Trullo [ano 691 ou 692], canon 82). “Sim, necessitamos dela para ser capazes de reconhecer no coração traspassado do Crucificado o mistério de Deus (Joseph Ratzinger, Teologia della liturgia. La fondazione sacramentale dell'esistenza cristiana, LEV, 2010, 69).


In, www.zenit.org

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O voto de virgindade de Maria (I)


Conhecemos muito pouco sobre a adolescência de Maria. Distinguimos, apenas, um facto, o que nos basta para adivinhar a sequência: trata-se do voto de virgindade que fizera e que ela refere ao anjo, logo no início da sua visita, com uma entonação que pode parecer um pouco estranha.
Isso indica um desígnio, um propósito amadurecido. E, se pudermos supor como esse seu desígnio é verdadeiro, genuíno, apesar dos seus quinze anos, devemos imaginar que ela era criança precoce tendo, bem cedo, sondado a existência, e percorrido, com sábia maturidade, as dimensões da vida.
Para julgar esse propósito de se manter virgem e compreender a agudeza de espírito, convém lembrar a mentalidade dos Judeus, em relação à virgindade. A primeira lei do Criador ditava: “Crescei e multiplicai-vos.” E o primeiro instinto do povo escolhido (que se confundia com o seu primeiro e principal dever) era o de se comportar como povo, garantindo, então, a sobrevivência.
A mulher judia não conhece opóbrio maior do que a esterilidade, que é sinal do desprezo de Deus por ela. E, como não é possível conceber uma nova geração sem a carne, o ser que não pode procriar é um ser diminuído, desprezado, privado da imortalidade temporal, tendo fracassado em sua missão. Nós temos dificuldade em compreender esta ideia, este modo de agir, pois estamos impregnados do Cristianismo e nele não podemos deixar de projectar novas luzes sobre antigas sombras.


Jean Guitton
A Virgem Maria, pp 27-28
Edições Montaigne, 1949
In www. mariedenazareth.org

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Maria e o Islão - II

Referindo-se a Maria, o sentido que os pensadores muçulmanos dão ao privilégio recebido por ela, ressente-se de um “minimalismo”, em termos da vida da graça… Todos consideram que Maria foi preservada de qualquer mácula.

Al-Alousi resume o ensinamento habitual. Eis a sua substância: Deus purificou Maria de todas as máculas comuns às mulheres (como a menstruação, a sequência do parto etc.); purificou-a, da incredulidade, dando-lhe fé inabalável, e da indocilidade, concedendo-lhe a virtude inalterável da obediência; livrando-a, enfim, dos defeitos inerentes à alma e ao carácter dos seres humanos.

E mais - conclui Al-Alousi - o mais correcto é tomar a palavra “purificação” no sentido mais vasto e admitir que Deus concedeu a Maria o privilégio de ser pura e isenta de todas as máculas, no sentido próprio e no sentido figurado, as manchas do coração, dos sentimentos e as da carne; deste modo, ela esteve pronta para receber a completa “profusão do Espírito” .

O minimalismo do sobrenatural é compensado pelo esplendor do que é maravilhoso e arrebatador, sob uma forma concreta e, igualmente, extraordinária e cândida. Assim, para Maria, por vontade expressa de Deus, uma espécie de cortina, uma espécie de filtro interpôs-se entre ela e Satã, no momento do seu nascimento.

J-M. Abd-El-Jadil,
Maria e o Islã, pp. 18 e 19
Ed. Beauchesne, 1950
In www. mariedenazareth.org

domingo, 14 de novembro de 2010

O Islão e o nascimento imaculado de Maria (I)


O Alcorão não é muito explícito; porém, a tradição muçulmana proclama, unanimemente, o extraordinário privilégio de Maria e do seu Filho: o facto de ambos terem sido preservados de qualquer contacto satânico no momento do nascimento.

Eis a versão mais divulgada deste célebre hadîth (transmissão oral da notícia de um ditado, de um ato, de um fato): “Todos os filhos recém-nascidos de Adão são tocados por Satã, menos o Filho de Maria e sua Mãe; quando acontece tal contacto, a criança dá o seu primeiro grito”.

Todos os comentários reproduzem este primeiro hadîth, que está entre as mais sólidas tradições do Islão, visto que está incluído nas duas antologias que usufruem da autoridade máxima (são elas, a de Boukhari e a de Mouslime).

E sempre que esse privilégio de Jesus e de Maria recebeu ataques de pensadores muçulmanos sobre a sua existência ou sobre o seu significado, os representantes da ortodoxia defenderam-no vigorosamente.


J-M. Abd-El-Jadil,
Maria e o Islã, p. 17
Ed. Beauchesne, 1950
In www. mariedenazareth.org

domingo, 7 de novembro de 2010

E, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus

32º Domingo do Tempo Comum


07 de Novembro de 2010


Evangelho – Lc 20,27-38



Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus – que negam a ressurreição – e fizeram-Lhe a seguinte pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?»
Disse-lhes Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. Na verdade, já nem podem morrer, pois são como os Anjos, e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».



AMBIENTE



Este texto situa-nos já em Jerusalém, nos últimos dias antes da morte de Jesus. É a altura das grandes controvérsias com os líderes judaicos (essas controvérsias representam, para Lucas, a última oportunidade que Deus dá ao seu Povo, no sentido de acolher a salvação). Discussão após discussão, torna-se claro que os líderes judaicos rejeitam a proposta de Jesus: prepara-se, assim, o quadro da paixão e da morte na cruz.
Os adversários de Jesus são, no contexto em que o Evangelho deste domingo nos coloca, os saduceus. No tempo de Jesus, os saduceus formavam um grupo aristocrático, recrutado sobretudo entre os sacerdotes da classe superior. Exerciam a sua autoridade à volta do Templo e dominavam o Sinédrio (no entanto, a sua autoridade nessa instituição não era absoluta desde que os fariseus aí haviam chegado). A sua importância política era real, ainda que muito limitada pela presença do procurador romano. Politicamente, eram conservadores e entendiam-se bem com o
opressor romano… Pretendiam manter a situação, para não ver comprometidos os benefícios políticos, sociais e económicos de que desfrutavam.
Para os saduceus, apenas interessava a Lei escrita – a “Torah”. Negavam que a Lei oral (que era essencial para os fariseus) tivesse qualquer valor. Este apego conservador à Lei escrita explica que negassem algumas crenças e doutrinas admitidas nos ambientes populares frequentados pelos fariseus. Por isso, não aceitavam a ressurreição dos mortos: nenhum versículo da “Torah” apoiava essa crença.
No seu conflito com os fariseus, estava em jogo uma certa visão da sociedade e do poder. Os fariseus não viam com agrado a “democratização” da Lei promovida pelos fariseus e pelos seus escribas. Esta “democratização” apresentava o inconveniente de fazer os sacerdotes perder a sua autoridade como intérpretes da Lei. Diante do povo, os saduceus mostravam-se distantes, severos, intocáveis.



MENSAGEM



A questão central do nosso texto gira à volta da ressurreição, um tema que não significava nada para os saduceus. Percebendo que, quanto a essa questão, a perspectiva de Jesus estava próxima da dos fariseus, os saduceus apresentaram uma hipótese académica, com o objectivo de ridicularizar a crença na ressurreição: uma mulher casou, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato (segundo a qual, o irmão de um defunto que morreu sem filhos devia casar com a viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família fossem parar a mãos estranhas, cf. Dt 25,5-10). Quando ressuscitarem, ela será mulher de qual dos irmãos? A primeira parte da resposta de Jesus (vers. 27-36) afirma que a ressurreição não é
(como pensavam os fariseus do tempo) uma simples continuação da vida que vivemos neste mundo (na linha de uma revivificação – ideia apresentada na primeira leitura), mas uma vida nova e distinta, uma vida de plenitude que dificilmente podemos entender a partir das nossas realidades quotidianas. A questão do casamento não se porá, então (a expressão “são semelhantes aos anjos” do vers. 30 não é uma expressão de depreciação do matrimónio, mas a afirmação de que, nessa vida nova, a única preocupação será servir e louvar a Deus). O poder de Deus, que chama os homens da morte à vida, transforma e assume a totalidade do ser humano, de forma que nascemos para uma vida totalmente nova e em que as nossas potencialidades serão elevadas à plenitude. A nossa capacidade de compreensão deste mistério é limitada, pois estamos a contemplar as coisas e a classificá-las à luz das nossas realidades terrenas; no entanto, a ressurreição que nos espera ultrapassa totalmente a nossa realidade terrena.
A segunda parte da resposta de Jesus (vers. 37-38) é uma afirmação da certeza da ressurreição. Como não podia apoiar-se nos textos recentes da Escritura (como Dn 12,2-3), que sugeriam a fé na ressurreição (pois esses textos não tinham qualquer valor para os saduceus), Jesus cita-lhes a “Torah” (cf. Ex 3,6): no episódio da sarçaardente, Jahwéh revelou-Se a Moisés como “o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”… Ora, se Deus Se apresenta dessa forma – muitos anos depois de Abraão, Isaac e Jacob terem desaparecido deste mundo – isso quer dizer que os patriarcas não estão mortos (um homem “morto” – ou seja, um homem reduzido ao estado de uma sombra inconsciente e privada de vida no “sheol”, segundo a ideia semita corrente – tinha perdido a protecção de Deus, pois já não existia como homem vivo e consciente). Na perspectiva de Jesus, portanto, os patriarcas não estão reduzidos ao estado de sombras na obscuridade absoluta do “sheol”, mas vivem actualmente em Deus. Conclusão: se Abraão, Isaac e Jacob estão vivos, podemos falar em ressurreição.




In Dehonianos - Liturgia