quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De Maria nunquam satis


De Maria nunquam satis


Quando eu era jovem teólogo, antes e até mesmo durante as sessões do Concílio, como aconteceu e como acontecerá, a muitos, eu alimentava uma certa reserva sobre algumas fórmulas antigas como, por exemplo, a famosa De Maria nunquam satis - "Sobre Maria jamais se dirá o bastante". Esta me parecia exagerada.


Encontrava dificuldade, igualmente, em compreender o verdadeiro sentido de uma outra expressão bastante famosa e difundida (repetida na Igreja desde os primeiros séculos, quando, após um debate memorável, o Concílio de Éfeso, do ano 431, proclamara Nossa Senhora como Maria Theotokos, que quer dizer, Maria, Mãe de Deus), expressão esta que enfatiza que Maria é "vitoriosa contra todas as heresias".


Somente agora - neste período de confusão em que multiplicados desvios heréticos parecem vir bater à porta da fé autêntica -, passei a entender que não se tratava de um exagero cantado pelos devotos de Maria, mas de verdades mais do que válidas.


Cardeal Ratzinger, atualmente, Papa Bento XVI
Entretiens sur la Foi
Vittorio Messori - Fayard 1985

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’


VI Domingo do Tempo Comum
EVANGELHO – Mt 5,17-37

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar. Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a terra, não passará da Lei a mais pequena letraou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos,por mais pequenos que sejam, e ensinar assim aos homens, será o menor no reino dos Céus. Mas aquele que os praticar e ensinar será grande no reino dos Céus. Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus. Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento. Quem chamar imbecil a seu irmão será submetido ao Sinédrio,e quem lhe chamar louco será submetido à geena de fogo. Portanto, se fores apresentar a tua oferta sobre o altare ali te recordares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e vem depois apresentar a tua oferta. Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto vais com ele a caminho, não seja caso que te entregue ao juiz, o juiz ao guarda, e sejas metido na prisão. Em verdade te digo: Não sairás de lá, enquanto não pagares o último centavo. Ouvistes que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma mulher desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração. Se o teu olho é para ti ocasião de pecado, arranca-o e lança-o para longe de ti, pois é melhor perder-se um dos teus membros do que todo o corpo ser lançado na geena. E se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e lança-a para longe de ti, porque é melhor que se perca um dos teus membros, do que todo o corpo ser lançado na geena. Também foi dito: ‘Quem repudiar sua mulher dê-lhe certidão de repúdio’. Eu, porém, digo-vos:Todo aquele que repudiar sua mulher, salvo em caso de união ilegal, fá-la cometer adultério. Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não faltarás ao que tiveres jurado, mas cumprirás os teus juramentos para com o Senhor’. Eu, porém, digo-vos que não jureis em caso algum: nem pelo Céu, que é o trono de Deus; nem pela terra, que é o escabelo dos seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Também não jures pela tua cabeça, porque não podes fazer branco ou preto um só cabelo. A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno».

AMBIENTE

Terminado o preâmbulo do “sermão da montanha” (que vimos nos dois anteriores domingos), entramos no corpo do discurso. Recordamos aquilo que dissemos nos domingos anteriores: o discurso de Jesus “no cimo de um monte” transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a Lei; agora, é Jesus que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus essa nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao “Reino”. Neste discurso (o primeiro dos cinco grandes discursos que Mateus apresenta), o evangelista agrupa um conjunto de “ditos” de Jesus e oferece à comunidade cristã um novo código ético, a nova Lei, que deve guiar os discípulos de Jesus na sua marcha pela história.Para entendermos o “pano de fundo” do texto que nos é hoje proposto, convém que nos situemos no ambiente das comunidades cristãs primitivas e, de forma especial, no ambiente da comunidade mateana: trata-se de uma comunidade com fortes raízes judaicas, na qual preponderam os cristãos que vêm do judaísmo… As questões que a comunidade põe, na década de oitenta (quando este Evangelho aparece), são: continuamos obrigados a cumprir a Lei de Moisés? Jesus não aboliu a Lei antiga? O que é que há de verdadeiramente novo na mensagem de Jesus?

MENSAGEM

Mateus tenta conciliar as tendências e as respostas dos vários grupos que, no contexto da sua comunidade cristã, eram dadas a estas questões.Na primeira parte do Evangelho que hoje nos é proposto (vers. 17-19), Mateus sustenta que Cristo não veio abolir essa Lei que Deus ofereceu ao seu Povo no Sinai. A Lei de Deus conserva toda a validade e é eterna; no entanto, é preciso encará-la, não como um conjunto de prescrições legais e externas, que obrigam o homem a proceder desta ou daquela forma rígida, no contexto desta ou daquela situação particular, mas como a expressão concreta de uma adesão total a Deus (adesão que implica a totalidade do homem, e que está para além desta ou daquela situação concreta). Dito de outra forma: os fariseus (que eram a corrente dominante no judaísmo pós-destruição de Jerusalém) tinham caído na casuística da Lei e achavam que a salvação passava pelo cumprimento de certas normas concretas; mas Mateus achava que a proposta libertadora de Jesus ia mais além e passava por assumir uma atitude interior de compromisso total com Deus e com as suas propostas.Na segunda parte do texto que nos é proposto (vers. 20-37), Mateus refere quatro exemplos concretos desta nova forma de entender a Lei (na realidade, são seis os exemplos que aparecem no conjunto do texto mateano; mas o Evangelho de hoje só apresenta quatro; os outros dois ficam para o próximo domingo).O primeiro (vers. 21-26) refere-se às relações fraternas. A Lei de Moisés exige, simplesmente, o não matar (cf. Ex 20,13; Dt 5,17); mas, na perspectiva de Jesus (que não se resume ao cumprimento estrito da letra da Lei, mas exige uma nova atitude interior), o não matar implica o evitar causar qualquer tipo de dano ao irmão… Há muitas formas de destruir o irmão, de o eliminar, de lhe roubar a vida: as palavras que ofendem, as calúnias que destroem, os gestos de desprezo que excluem, os confrontos que põem fim à relação. Os discípulos do “Reino” não podem limitar-se a cumprir a letra da Lei; têm que assumir uma nova atitude, mais abrangente, que os leve a um respeito absoluto pela vida e pela dignidade do irmão. A propósito, Mateus aproveita para apresentar à sua comunidade uma catequese sobre a urgência da reconciliação (o cortar relações com o irmão, afastá-lo da relação, marginalizá-lo, não é uma forma de matar?). Na perspectiva de Mateus, a reconciliação com o irmão deve sobrepor-se ao próprio culto, pois é uma mentira a relação com Deus de alguém que não ama os irmãos.O segundo (vers. 27-30) refere-se ao adultério. A Lei de Moisés exige o não cometer adultério (cf. Ex 20,14; Dt 5,18); mas, na perspectiva de Jesus, é preciso ir mais além do que a letra da Lei e atacar a raiz do problema – ou seja, o próprio coração do homem… É no coração do homem que nascem os desejos de apropriação indevida daquilo que não lhe pertence; portanto, é a esse nível que é preciso realizar uma “conversão”. A referência a arrancar o olho que é ocasião de pecado (o olho é, nesta cultura, o órgão que dá entrada aos desejos) ou a cortar a mão que é ocasião de pecado (a mão é, nesta cultura, o órgão da acção, através do qual se concretizam os desejos que nascem no coração) são expressões fortes (bem ao gosto da cultura semita mas que, no entanto, não temos de traduzir à letra) para dizer que é preciso actuar lá onde as acções más do homem têm origem e eliminar, na fonte, as raízes do mal.O terceiro (vers. 31-32) refere-se ao divórcio. A Lei de Moisés permite ao homem repudiar a sua mulher (cf. Dt 24,1); mas, na perspectiva de Jesus, a Lei tem de ser corrigida: o divórcio não estava no plano original de Deus, quando criou o homem e a mulher e os chamou a amarem-se e a partilharem a vida.O quarto (vers. 33-37) refere-se à questão do julgamento. A Lei de Moisés pede, apenas, a fidelidade aos compromissos selados com um juramento (cf. Lv 19,12; Nm 20,3; Dt 23,22-24); mas, na perspectiva de Jesus, a necessidade de jurar implica a existência de um clima de desconfiança que é incompatível com o “Reino”. Para os que estão inseridos na dinâmica do “Reino”, deve haver um tal clima de sinceridade e confiança que os simples “sim” e “não” bastam. Qualquer fórmula de juramento é supérflua e sinal de corrupção da dinâmica do “Reino”.A questão essencial é, portanto, esta: para quem quer viver na dinâmica do “Reino”, não chega cumprir estrita e casuisticamente as regras da Lei; mas é preciso uma atitude interior inteiramente nova, um compromisso verdadeiro com Deus que envolva o homem todo e lhe transforme o coração.

In Dehonianos