domingo, 26 de dezembro de 2010

«Paz e bem!»


Paz e bem: A saudação de São Francisco ajuda-nos a saborear a eterna novidade do Natal, acompanha-nos para a verdade, afastando-nos de tudo aquilo que empobrece e torna ambíguo o significado desta festa. Não deixemos que passe em vão este enésimo, embora sempre novo, Natal.
O Natal não pode deixar de inquietar-nos: é uma festa que parece ter perdido seu sentido mais íntimo e autêntico, e que nos leva a perguntar quem é para nós aquele menino, a ver Deus num menino, a crer num Deus que escolhe encerrar toda a Sua grandeza na pequenez da nossa humanidade.

E o Natal não é somente Jesus que nasce em Belém, onde nasceu historicamente há pouco mais de dois mil anos atrás. Natal é Jesus, Filho de Deus, que também este ano como em cada dia desde aquele tempo antigo, para os homens do seu tempo como para cada um de nós hoje, espera que lhe guardemos um lugar, espera nascer no nosso coração. O Natal é um compromisso de conversão. É aceitar responder ao que Deus de nós espera.
Chamados pela fé a esperá-lo na glória, o Natal vem fixar a nossa atenção na espera de Deus: a Sua infinita espera de que a humanidade encontre um lugar para Ele na história quotidiana, na vida de todos os dias, na solidariedade humilde que nos pediu o próprio Jesus, assegurando-nos: Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo; dizendo-nos também onde podemos encontrar os seus olhos e as suas mãos, por onde caminhar juntos e de onde dirigir o nosso olhar para o horizonte do qual Ele voltará: pobres sempre os tereis convosco …

Não o deixemos passar em vão.
Que a palavra de Deus nos ajude e nos guie a conservar a esperança, enquanto esperamos que venha o Senhor da Glória.
O Menino Jesus nos livre do medo de estar no dia-a-dia da história, na solidão de quem não sabe fazer-se dom aos outros, e nos reúna num movimento coral onde nos descobrimos levados pelo amor e capazes, por graça, de levar avante aquele pedacinho da história, único e precioso, que o Senhor colocou nas nossas mãos.
Que o Natal seja para todos esta conversão do nosso olhar, darmo-nos conta de que o Reino avança, é já presente; que eu, nós, todos juntos, possamos fazer com que se torne presente. Eis agora a necessidade de olhar a criação, olhar o mundo, olhar o Médio Oriente, esta “nossa” Terra Santa – Terra de Deus e Terra dos Homens – “do alto”, com o olhar de Deus. Façamos nossa, com intensidade e audácia, humildade e força, com a coragem e a fantasia do sonho que se torna realidade se formos muitos a sonhá-lo, as palavras do Papa Bento XVI na inauguração do Sínodo dos Bispos do Médio Oriente: “olhar esta parte do mundo pela perspectiva de Deus significa reconhecer nela o berço de um desígnio universal de salvação no amor, um mistério de comunhão que se realiza na liberdade e por isso pede aos homens uma resposta”. A cada um é dada a responsabilidade de acolher a proposta d’Aquele que nos criou e que renova em nós, em cada dia, a sede de sermos felizes.

Não o deixemos passar em vão. Respondamos à espera de Deus, que Se fez Menino para que pudéssemos chegar até Ele como se fosse Ele a necessitar de nós. Porque o coração da nossa espera está no saber que Deus nos espera, pacientemente, desde há muito. Acolhidos pela Sua espera, renovados pelo Seu perdão e pela Sua graça, homens de misericórdia e de reconciliação, de liberdade e de justiça, seremos então capazes de escutar – entre o ruído da nossa confusa realidade – o anúncio dos anjos: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.»

Feliz Natal!


Jerusalém, 22 de Dezembro de 2010

Frei Pierbaptistta Pizzaballa
Custódio da Terra Santa

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Entre os filhos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista

Tintoretto, Nascimento de S. João Baptista (1540-41)

Domingo III do Advento
12 de Dezembro de 2010


Evangelho – Mt 11,2-11

Naquele tempo, João Baptista ouviu falar, na prisão, das obras de Cristo e mandou-Lhe dizer pelos discípulos:«És Tu Aquele que há-de vir ou devemos esperar outro?»
Jesus respondeu-lhes:«Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a boa nova é anunciada aos pobres. E bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim motivo de escândalo».Quando os mensageiros partiram, Jesus começou a falar de João às multidões: «Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento? Então que fostes ver? Um homem vestido com roupas delicadas? Mas aqueles que usam roupas delicadas encontram-se nos palácios dos reis. Que fostes ver então? Um profeta? Sim – Eu vo-lo digo – e mais que profeta.É dele que está escrito: ‘Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, para te preparar o caminho’. Em verdade vos digo: Entre os filhos de mulher,não apareceu ninguém maior do que João Baptista. Mas o menor no reino dos Céus é maior do que ele».

AMBIENTE
Na secção precedente do Evangelho (cf. Mt 4,17-11,1), Mateus apresentou de forma sistemática o anúncio do “Reino”, manifestado nas palavras e nos gestos de Jesus, e difundido pelos seus discípulos… Agora, começa outra secção, em que todo o interesse do evangelista é mostrar as atitudes que as distintas pessoas ou grupos vão assumir diante de Jesus (cf. Mt 11,2-12,50). A narração é retomada com a pergunta dos enviados de João Baptista (que está na prisão, por ordem de Herodes Antipas, a quem o Baptista havia criticado por viver maritalmente com a cunhada – cf. Mt 14,1-5): Jesus é mesmo “o que está para vir”? A pergunta não é ociosa… João esperava um Messias que viesse lançar fogo à terra, castigar os maus e os pecadores, dar início ao “juízo de Deus” (cf. Mt 3,11-12); e, ao contrário, Jesus aproximou-Se dos pecadores, dos marginais, dos impuros, estendeulhes a mão, mostrou-lhes o amor de Deus, ofereceu-lhes a salvação (cf. Mt 8-9). João e os seus discípulos estão, pois, desconcertados: Jesus será o Messias esperado, ou é preciso esperar um outro que venha actuar de uma forma mais decidida, mais lógica e mais justiceira? Mateus tem um interesse especial pela figura de João Baptista. Para ele, João é o precursor, que veio preparar os homens para acolher Jesus. É provável que, ao fazer esta apresentação, o evangelista se queira dirigir aos discípulos de João que ainda continuavam activos na época em que o Evangelho foi escrito… Mateus pretende clarificar as coisas e “piscar o olho” aos discípulos de João, no sentido de que eles adiram à proposta cristã e entrem na Igreja de Jesus.



MENSAGEM
O nosso texto divide-se em duas partes… Na primeira, Jesus responde à pergunta de João e dá a entender que Ele é o Messias (vers. 2-6); na segunda, temos a apreciação que o próprio Jesus faz da figura e da acção profética de João (vers. 7-11). Jesus tem consciência de ser o Messias? A resposta é obviamente positiva; para dá-la, Jesus recorre a um conjunto de citações de Isaías que definem, na perspectiva dos profetas, a acção do Messias enviado de Deus: dar vida aos mortos (cf. Is 26,19), curar os surdos (cf. Is 29,18), dar vista aos cegos, dar liberdade de movimentos aos coxos (cf. Is 35,5-6), anunciar a Boa Nova aos pobres (cf. Is 61,1). Ora, se Jesus
realizou estas obras (cf. Mt 8-9), é porque Ele é o Messias, enviado por Deus para libertar os homens e para lhes trazer o “Reino”. A sua mensagem e os seus gestos contêm uma proposta libertadora que Deus faz aos homens. Na segunda parte, temos a declaração de Jesus sobre o Baptista. Mateus utiliza um recurso retórico muito conhecido: uma série de perguntas que convidam os ouvintes a dar uma resposta concreta. A resposta às duas primeiras questões é, evidentemente, negativa: João não é um pregador oportunista cuja mensagem segue as modas, nem um elegante convencido que vive no luxo. A resposta à terceira é positiva: João é um profeta e mais do que um profeta. A declaração, que começa com uma referência à Escritura (cf. Ex 23,20; Mal 3,1) pretende clarificar qual a relação entre ambos e o lugar de João no “Reino”: João é o precursor do Messias; é “Elias”, aquele que tinha de vir antes, a fim de preparar o caminho para o Messias (cf. Mal 3,23-24)… No entanto, aqueles que entraram no “Reino” através do seguimento de Jesus são mais do que Ele.


In Dehonianos - Liturgia

domingo, 5 de dezembro de 2010

Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus


Domingo II do Advento

05 de Dezembro de 2010


Evangelho – Mt 3,1-12


Naqueles dias, apareceu João Baptista a pregar no deserto da Judeia, dizendo: «Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus». Foi dele que o profeta Isaías falou, ao dizer: «Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’». João tinha uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins. O seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre. Acorria a ele gente de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão; e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. Ao ver muitos fariseus e saduceus que vinham ao seu baptismo, disse-lhes: «Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai acções que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é o nosso pai’, porque eu vos digo: Deus pode suscitar, destas pedras, filhos de Abraão. O machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo. Eu baptizo-vos com água, para vos levar ao arrependimento. Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu e não sou digno de levar as suas sandálias. Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo. Tem a pá na sua mão: há-de limpar a eira e recolher o trigo no celeiro. Mas a palha, queimá-la-á num fogo que não se apaga».


Ambiente

Depois do Evangelho da Infância (cf. Mt 1-2), Mateus apresenta a figura que prepara os homens para acolher Jesus: João Baptista. João foi o guia carismático de um movimento de cariz popular, que anunciava a proximidade do juízo de Deus. Vivia no deserto de Judá, nas margens do rio Jordão. A sua mensagem estava centrada na urgência da conversão (pois o “juízo de Deus” estava iminente); incluía um rito de purificação pela água – um rito muito frequente, entre alguns grupos judeus da época. É possível que João estivesse, de alguma forma, relacionado com essa comunidade essénia que estava instalada em Qûmran (o tema do juízo de Deus e os rituais de purificação pela água faziam parte do dia a dia da comunidade essénia). Segundo a mais antiga tradição cristã, Jesus esteve muito relacionado com o movimento de João, nos inícios da sua vida pública e alguns discípulos de João tornaram-se, a partir de certa altura, discípulos de Jesus (cf. Jo 1,35-42). Os primeiros cristãos identificaram João com o mensageiro anunciado em Is 40,3 e com Elias (2 Re 1,8) que, segundo a tradição judaica, anunciaria a chegada do Messias (Mt 11,14; 17,11; Mal 3,23-24 ou, noutras versões, 4,5-6). Nesta interpretação, João seria o precursor que vem preparar o caminho e Jesus o Messias, enviado por Deus para anunciar o reinado de Jahwéh.


Mensagem

Nesta primeira apresentação do Baptista, há vários factores que nos interessa pôr em relevo: a figura, a mensagem, as reacções ao anúncio e a comparação entre o baptismo de João e o baptismo de Jesus. A figura do Baptista é uma figura que, por si só, nos questiona e interpela. João aparece ligado ao deserto (o lugar das privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional do encontro entre Jahwéh e Israel) e não ao Templo ou aos sítios “in” onde se reúne a sociedade selecta de Jerusalém; usa “uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (é dessa forma que se vestia, também, Elias – cf. 2 Re 1,8), não as roupas finas, com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes da capital; a sua alimentação frugal (de “gafanhotos e mel silvestre”) está em profundo contraste com as iguarias finas que enchem as mesas da classe dirigente… João é, portanto, um homem que – não só com palavras, mas também com a sua própria pessoa – questiona um certo jeito de viver, voltado para as coisas, para os bens materiais, para o “ter”. Convida a uma conversão, a uma mudança de valores, a esquecer o supérfluo, para dar atenção ao essencial. O que é que João prega? Mateus resume o anúncio de João numa frase: “converteivos (“metanoeite”), porque está perto o Reino dos céus” (vers. 2). O verbo grego (metanoéo) aqui utilizado tem, normalmente, o sentido de “mudar de mentalidade”; mas, aqui, deve ser visto na perspectiva do Antigo Testamento – isto é, como um apelo a um retorno incondicional ao Deus da Aliança. Porque é que esta “conversão” é tão urgente? Porque o “Reino dos céus” está perto. Muito provavelmente, João ligava a vinda iminente do “Reino” ao “juízo de Deus”, que iria destruir os maus e inaugurar, com os bons, um mundo novo (por isso, fala da “cólera que está para vir” – vers. 7; e acrescenta: “o machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo” – vers. 10). A conversão era urgente, na perspectiva de João, pois aproximava-se a intervenção justiceira de Deus na história humana; quem não estivesse do lado de Deus seria aniquilado… É uma perspectiva muito em voga em certos ambientes apocalípticos da época, nomeadamente na teologia dos essénios de Qûmran. Quem são os destinatários desta mensagem? Aparentemente, é uma mensagem destinada a todos. Mateus fala da “gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a região do Jordão” e que era baptizada “por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados” (vers. 5-6). No entanto, Mateus faz uma referência especial aos fariseus e saduceus, para quem João tem palavras duríssimas: “raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai acções que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: «Abraão é nosso pai»…” (vers. 7-9). Trata-se de pessoas que “à cautela” ou por curiosidade, vêm ao encontro de João; no entanto, sentem que o “juízo de Deus” não os atingirá porque eles são filhos de Abraão, são membros privilegiados do Povo eleito e estão do lado dos bons: Deus não terá outro remédio senão salvá-los, quando vier para julgar o mundo e condenar os maus. João avisa que não há salvação assegurada obrigatoriamente a quem tem o nome inscrito nos registos do Povo eleito: é preciso viver em contínua conversão e fazer as obras de Deus: “toda a árvore que não dá fruto, será cortada e lançada ao fogo” (vers. 10). Neste texto aparece também, em relevo, um rito praticado por João. Consistia na imersão na água do rio Jordão das pessoas que aderiam a esse apelo à conversão. Era, aliás, um rito praticado em certos ambientes judaicos para significar a purificação do coração (nos ambiente essénios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direcção a uma vida pura e a aspiração à graça purificadora)… O baptismo de João significava o arrependimento, o perdão dos pecados e a agregação ao “resto de Israel”, subtraído à ira de Deus. No entanto, João avisa: “aquele que vem depois de mim (…) baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (vers. 11). De facto, o baptismo de Jesus vai muito além do baptismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (Espírito) e torna-o “filho de Deus”; implica, além disso, uma incorporação na Igreja (a comunidade dos que aderiram à proposta de salvação que Cristo trouxe) e a participação activa na missão da Igreja (cf. Act 2,1-4). Não significa, apenas, o arrependimento e o perdão dos pecados; significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com Deus e de fraternidade com Jesus e com todos os outros baptizados.


In Dehonianos - Liturgia

Festa da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria




Queridos Peregrinos da Terra Santa

No próximo dia 8 a Igreja celebra a festa da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Como já vão percebendo, na estrutura da nossa Peregrinação, procurámos “começar pelo Princípio” e por isso, deixamos Tel Aviv e vamos directos para Nazaré. É aí que queremos começar porque foi aí que tudo começou: pelo «Faça-se» de Maria, Deus encarnou no seu seio, «fez-Se homem, em tudo igual a nós, excepto no pecado.»

Ora o que então aconteceu em Nazaré é uma verdade desde sempre acreditada pela Igreja através das gerações e solenemente proclamada como Dogma de Fé pelo Terceiro Concílio de Éfeso no ano 431.

Com efeito, o uso do termo Theotokos (Mãe de Deus) foi formalmente afirmado como dogma no Terceiro Concílio Ecuménico realizado em Éfeso, em 431. A visão contrária, defendida pelo patriarca de Constantinopla Nestório era que Maria devia ser chamada de Christotokos, que significa "Mãe de Cristo", para restringir o seu papel como mãe apenas da natureza humana de Cristo e não da sua natureza divina.

Os adversários de Nestório, liderados por Cirilo de Alexandria, consideravam isto inaceitável, pois Nestório estava a destruir a união perfeita e inseparável da natureza divina e humana em Jesus Cristo, uma vez que em Cristo «O Verbo se fez carne» (João 1:14), ou seja o Verbo (que é Deus - João 1:1) é a carne; e a carne é o Verbo, Maria foi a mãe da carne de Cristo e por consequência do Verbo. Cirilo escreveu que "Surpreende-me que há alguns que duvidam que a Virgem santa deve ser chamada ou não de Theotokos. Pois, se Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus, e a Virgem santa deu-o à luz, ela não se tornou a [Theotokos]? A doutrina de Nestório foi considerada uma falsificação da Encarnação de Cristo, e por consequência, da salvação da humanidade. O Concílio aceitou a argumentação de Cirilo, afirmou como dogma o título de Theotókos de Maria, e anatematizou Nestório, considerando a sua doutrina (Nestorianismo) como uma heresia.

Acontece, porém com frequência, vermos em muitos católicos alguma confusão entre os dogmas definidos pela Igreja sobre a Virgem Maria, em particular a Imaculada Conceição, a Maternidade Divina e a Virgindade de Maria.

Aproveitemos então esta Festa de 8 de Dezembro para “arrumarmos as ideias”.




Comecemos pela Imaculada Conceição da Virgem Maria


A definição do dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria
Bula «Ineffabilis Deus»


41. Por isto, depois de na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja, a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse de dirigir e sustentar a Nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos com gemidos o Espírito consolador; por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:
Doctrinam, quæ tenet, beatissimam Virginem Mariam in primo instanti suæ conceptionis fuisse singulari omnipotentis Dei gratia et privilegio, intuitu meritorum Christi Jesu Salvatoris humani generis, ab omni originalis culpæ labe præservatam immunem, esse a Deo revelatam atque idcirco ab omnibus fidelibus firmiter constanterque credendam.
A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser acreditada firme e inviolavelmente por todos os fiéis.



Dado em Roma, junto a S. Pedro,
no ano mil e oitocentos e cinquenta e quatro da Encarnação do Senhor,
a 8 de Dezembro de 1854, nono ano do Nosso Pontificado.
Pius IX



Porque esta «singular graça e privilégio de Deus» foi concedido por Deus «em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano», compreende-se que o Evangelho deste dia seja a descrição da Anunciação do Anjo a Nossa Senhora, momento em que Ela concebe no seu seio Jesus, o Filho de Deus.

Nada mais oportuno do que lembrar aqui as palavras do Papa Bento XVI na sua mais recente Exortação Apostólica “Verbum Dominum”:



Maria «Mater Verbi Dei» e «Mater fidei»



27. Os Padres sinodais declararam que o objectivo fundamental da XII Assembleia foi «renovar a fé da Igreja na Palavra de Deus»; por isso é necessário olhar para uma pessoa em Quem a reciprocidade entre Palavra de Deus e fé foi perfeita, ou seja, para a Virgem Maria, «que, com o seu sim à Palavra da Aliança e à sua missão, realiza perfeitamente a vocação divina da humanidade». A realidade humana, criada por meio do Verbo, encontra a sua figura perfeita precisamente na fé obediente de Maria. Desde a Anunciação ao Pentecostes, vemo-La como mulher totalmente disponível à vontade de Deus. É a Imaculada Conceição, Aquela que é «cheia de graça» de Deus (cf. L c 1, 28), incondicionalmente dócil à Palavra divina (cf. L c 1, 38). A sua fé obediente face à iniciativa de Deus plasma cada instante da sua vida. Virgem à escuta, vive em plena sintonia com a Palavra divina; conserva no seu coração os acontecimentos do seu Filho, compondo-os por assim dizer num único mosaico (cf. L c 2, 19.51).
No nosso tempo, é preciso que os fiéis sejam ajudados a descobrir melhor a ligação entre Maria de Nazaré e a escuta crente da Palavra divina. Exorto também os estudiosos a aprofundarem ainda mais a relação entre mariologia e teologia da Palavra. Daí poderá vir grande benefício tanto para a vida espiritual como para os estudos teológicos e bíblicos. De facto, quando a inteligência da fé olha um tema à luz de Maria, coloca-se no centro mais íntimo da verdade cristã.
Na realidade, a encarnação do Verbo não pode ser pensada prescindindo da liberdade desta jovem mulher que, com o seu assentimento, coopera de modo decisivo para a entrada do Eterno no tempo. Ela é a figura da Igreja à escuta da Palavra de Deus que nela Se fez carne. Maria é também símbolo da abertura a Deus e aos outros; escuta activa, que interioriza, assimila, na qual a Palavra se torna forma de vida.
Nesta ocasião, desejo chamar a atenção para a familiaridade de Maria com a Palavra de Deus. Isto transparece com particular vigor no Magnificat. Aqui, em certa medida, vê-se como Ela Se identifica com a Palavra, e nela entra; neste maravilhoso cântico de fé, a Virgem exalta o Senhor com a sua própria Palavra: «O Magnificat – um retrato, por assim dizer, da sua alma – é inteiramente tecido de fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus. Desta maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de Deus; esta torna-se Palavra d’Ela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus. Além disso, fica assim patente que os seus pensamentos estão em sintonia com os de Deus, que o d’Ela é um querer juntamente com Deus. Vivendo intimamente permeada pela Palavra de Deus, Ela pôde tornar-Se mãe da Palavra encarnada».
Além disso, a referência à Mãe de Deus mostra-nos como o agir de Deus no mundo envolve sempre a nossa liberdade, porque, na fé, a Palavra divina transforma-nos. Também a nossa acção apostólica e pastoral não poderá jamais ser eficaz, se não aprendermos de Maria a deixar-nos plasmar pela acção de Deus em nós: «A atenção devota e amorosa à figura de Maria, como modelo e arquétipo da fé da Igreja, é de importância capital para efectuar também nos nossos dias uma mudança concreta de paradigma na relação da Igreja com a Palavra, tanto na atitude de escuta orante como na generosidade do compromisso em prol da missão e do anúncio».
Contemplando na Mãe de Deus uma vida modelada totalmente pela Palavra, descobrimo-nos também nós chamados a entrar no mistério da fé, pela qual Cristo vem habitar na nossa vida. Como nos recorda Santo Ambrósio, cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, porém, Cristo é o fruto de todos. Portanto, o que aconteceu em Maria pode voltar a acontecer em cada um de nós diariamente na escuta da Palavra e na celebração dos Sacramentos.


Verbum Dominum
Bento XVI




A Maternidade Virginal de Maria é solenemente afirmada pelo Segundo Concílio de Constantinopla, do qual transcrevemos os “Cânones” relativos a este tema:




Cânones do II Concílio de Constantinopla

2. Se alguém não confessa que há duas concepções do Verbo de Deus, uma antes dos tempos, do Pai, intemporal e incorporal, e a outra nos últimos dias, concepção da mesma pessoa, que desceu do céu e foi feito carne por obra do Espírito Santo e da gloriosa Genitora de Deus e sempre virgem Maria, e que dela nasceu, seja anátema.

6. Se alguém aplicar à gloriosa e sempre virgem Maria o título de "genitora de Deus" (theotókos) num sentido irreal e não verdadeiro, como se um simples homem tivesse nascido dela e não o Deus Verbo feito carne e dela nascido, enquanto o nascimento só deve ser "relacionado" com Deus o Verbo, como dizem, porquanto ele estava com o homem que foi nascido...




Por fim não há melhor fonte que o Catecismo da Igreja Católica que, em linguagem clara e actual, nos ilumina com a Luz da Fé que professamos:




CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA




487. O que a fé católica crê, a respeito de Maria, funda-se no que crê a respeito de Cristo. Mas o que a mesma fé ensina sobre Maria esclarece, por sua vez, a sua fé em Cristo.


A IMACULADA CONCEIÇÃO
490. Para vir a ser Mãe do Salvador, Maria «foi adornada por Deus com dons dignos de uma tão grande missão». O anjo Gabriel, no momento da Anunciação, saúda-a como «cheia de graça». Efectivamente, para poder dar o assentimento livre da sua fé ao anúncio da sua vocação, era necessário que Ela fosse totalmente movida pela graça de Deus.

491. Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria, «cumulada de graça» por Deus, tinha sido redimida desde a sua conceição. É o que confessa o dogma da Imaculada Conceição, procla-mado em 1854 pelo Papa Pio IX: «Por uma graça e favor singular de Deus omnipotente e em previsão dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada intacta de toda a mancha do pecado original no primeiro instante da sua conceição».

492. Este esplendor de uma «santidade de todo singular», com que foi «enriquecida desde o primeiro instante da sua conceição», vem-lhe totalmente de Cristo: foi «remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho». Mais que toda e qualquer outra pessoa criada, o Pai a «encheu de toda a espécie de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo» (Ef 1, 3). «N'Ele a escolheu antes da criação do mundo, para ser, na caridade, santa e irrepreensível na sua presença» (Ef 1, 4).

493. Os Padres da tradição oriental chamam ã Mãe de Deus «a toda santa» («Panaghia»), celebram-na como «imune de toda a mancha de pecado, visto que o próprio Espírito Santo a modelou e dela fez uma nova criatura». Pela graça de Deus, Maria manteve-se pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a vida.


MARIA – «SEMPRE VIRGEM»
499. O aprofundamento da fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem. Com efeito, o nascimento de Cristo «não diminuiu, antes consagrou a integridade virginal» da sua Mãe. A Liturgia da Igreja celebra Maria “Aeiparthenos” como a «sempre Virgem»

500. A isso objecta-se, por vezes, que a Escritura menciona irmãos e irmãs de Jesus. A Igreja entendeu sempre estas passagens como não designando outros filhos da Virgem Maria. Com efeito, Tiago e José, «irmãos de Jesus» (Mt 13, 55), são filhos duma Maria discípula de Cristo designada significativamente como «a outra Maria» (Mt 28, 1). Trata-se de parentes próximos de Jesus, segundo uma expressão conhecida do Antigo Testamento.

501. Jesus é o filho único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: «Ela deu à luz um Filho que Deus estabeleceu como "primogénito de muitos irmãos" (Rm 8, 29), isto é, dos fiéis para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe».

A MATERNIDADE VIRGINAL DE MARIA NO PLANO DE DEUS
502. O olhar da fé pode descobrir, em ligação com o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, no seu desígnio salvífico, quis que o seu Filho nascesse duma virgem. Tais razões dizem respeito tanto à pessoa e missão redentora de Cristo como ao acolhimento dessa missão por Maria, para bem de todos os homens:

503. A virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação. Jesus só tem Deus por Pai. «A natureza humana, que Ele assumiu, nunca O afastou do Pai [...]. Naturalmente Filho do seu Pai segundo a divindade, naturalmente Filho da sua Mãe segundo a humanidade, mas propriamente Filho de Deus nas suas duas naturezas».

504. Jesus é concebido pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, porque Ele é o Novo Adão, que inaugura a criação nova: «O primeiro homem veio da terra e do pó: o segundo homem veio do céu» (1 Cor 15, 47). A humanidade de Cristo é, desde a sua conceição, cheia do Espírito Santo, porque Deus «não dá o Espírito por medida» (Jo 3, 34). É da «sua plenitude», que Lhe é própria enquanto cabeça da humanidade resgatada que «nós recebemos graça sobre graça» (Jo 1, 16).

505. Jesus, o novo Adão, inaugura, pela sua conceição virginal, o novo nascimento dos filhos de adopção, no Espírito Santo, pela fé, «Como será isso?» (Lc 1, 34). A parti¬cipação na vida divina não procede «do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus» (Jo 1, 13). A recepção desta vida é virginal, porque inteiramente dada ao homem pelo Espírito. O sentido esponsal da vocação humana, em relação a Deus, foi perfeitamente realizado na maternidade virginal de Maria.

506. Maria é virgem, porque a virgindade é nela o sinal da sua fé, «sem a mais leve sombra de dúvida» e da sua entrega sem reservas à vontade de Deus. É graças à sua fé que ela vem a ser a Mãe do Salvador: «Beatior est Maria percipiendo fïdem Christi quam concipiendo carnem Christi – Maria é mais feliz por receber a fé de Cristo do que por conceber a carne de Cristo».

507. Maria é, ao mesmo tempo, virgem e mãe, porque é a figura e a mais perfeita realização da Igreja: «Por sua vez, a Igreja, que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da Palavra de Deus: efectivamente, pela pregação e pelo Baptismo, gera, para uma vida nova e imortal, os filhos concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu esposo».




Termino com a esperança de vos ter ajudado a relembrar coisas sabidas, mas que é sempre bom relembrar para que não sejam a ignorância ou o esquecimento culpados por uma errada interpretação do que aconteceu nos Lugares que vamos ver e tocar.

Embora me tenha socorrido quase exclusivamente de fontes verdadeiras e fidedignas, não sendo eu teólogo, nem sacerdote, tudo quanto aqui fica dito é da minha exclusiva responsabilidade e não compromete a Santa Igreja Católica, Mãe e Mestra e única depositária da Revelação.









Rui Corrêa d’Oliveira

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

S. José e a Virgindade de Maria


É preciso compreender que, numa sociedade em que a virgindade não era nem conhecida nem salvaguardada (pois nenhuma instituição a preservava, modelo algum a consagrava), o voto de Maria só poderia ser efectivado no casamento. O matrimónio tornara-se, então, uma necessidade: ela só poderia cumprir o desígnio escolhido, na realização do seu casamento: somente o casamento poderia constituí-la virgem.


Porém, como este enlace não podia ser contra a sua vocação virginal, Maria supunha que aquele que lhe fora designado como esposo, pela família, compreenderia e respeitaria o seu ideal. Este acto de abandono era, então, igualmente, um c de fé.

Eu presumo que os dois, José e Maria, eram jovens e plenamente conscientes, habitando o presente com inteira disponibilidade, sem conhecer o extraordinário futuro que os aguardava. Imagino José jovem, forte, silvestre e vivaz, assim como o pastor libanês descrito no Cântico dos Cânticos.

Por que não teria ele amado? Nem obtido o retorno do amor? (...)
Sem dúvida, José tinha o sentimento de afinidade com aquela jovem, e sentia a imensa superioridade dela sobre ele. O amor do homem é modelado conforme o amor da mulher, que é a silenciosa educadora do estímulo viril. Maria purifica e “virginiza” José, assim como ”virginizaria” tantos jovens, com o seu sorriso, e a estirpe sacerdotal, que lhe deve a conservação do estado da virgindade viril, aqui na terra.

José e Maria haviam renunciado à paternidade e à maternidade; eles não sabiam o que os cercava, em termos de fecundidade nesse sacrifício; eles não tinham como pressentir o Inominado, o Incompreensível que sobreviria, serenamente, entre os dois.

E, no entanto, a união entre José e Maria, não se assemelhava a uma união fechada em si mesma, como se fosse uma clausura, um claustro para duas pessoas ou para uma, somente. Esta união seria dominada pela esperança. Devia haver entre os dois, o pressentimento de que um mundo novo nasceria da harmonia e da concordância entre ambos.


Jean Guitton
La Vierge Marie
Editions Montaigne, 1949

domingo, 28 de novembro de 2010

Vigiai para que estejais preparados


Domingo I do Advento
28 de Novembro de 2010

Evangelho – Mt 24,37-44

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como aconteceu nos dias de Noé, assim sucederá na vinda do Filho do homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca; e não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou. Assim será também na vinda do Filho do homem.
Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro deixado; de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e outra deixada. Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem.»


Ambiente
Os capítulos 24 e 25 do Evangelho segundo Mateus apresentam o último grande discurso de Jesus antes da sua paixão e morte. Para compô-lo, Mateus reelaborou o chamado “discurso escatológico” de Marcos (cf. Mc 13), ampliando-o e mudando substancialmente o tema central: se no discurso transmitido por Marcos a questão principal é a dos sinais que precederão a destruição de Jerusalém e do Templo, no discurso reelaborado por Mateus a questão central é a da vinda do Filho do homem e das atitudes com que os discípulos devem preparar a dita vinda.
Esta mudança de perspectiva pode explicar-se a partir da situação em que vivia a comunidade de Mateus e com as suas necessidades. Estamos na década de 80. Passaram dez anos sobre a destruição de Jerusalém e ainda não aconteceu a segunda vinda de Jesus. Os crentes estão desanimados e desiludidos… O evangelista contempla com preocupação os sinais de abandono, de desleixo, de rotina, de esfriamento que começam a aparecer na comunidade e sente que é preciso renovar a esperança e levar os crentes a comprometer-se na história, construindo o “Reino”.
Nesta situação, Mateus descobre que as palavras de Jesus encerram um profundo ensinamento e compõe com elas uma exortação dirigida aos cristãos. Esta exortação fundamenta-se numa profunda convicção: a vinda do “Filho do homem” é um facto certo, ainda que não aconteça em breve; enquanto não chega o momento, é preciso preparar este grande acontecimento, vivendo de acordo com os ensinamentos de Jesus. A linguagem destes capítulos é estranha e enigmática… Trata-se, no entanto, de um género usado com alguma frequência por alguns grupos judeus e cristãos da época de Jesus. É a linguagem “apocalíptica”, porque o seu objectivo é “revelar algo escondido” (“apocaliptô). Em muitas ocasiões, esta revelação é dirigida a comunidades que vivem
numa situação de sofrimento, de desespero, de perseguição; o objectivo é animá-las, dar-lhes esperança, mostrar-lhes que a vitória final será de Deus e dos que lhe forem fiéis.


Mensagem
Para Mateus, a vinda do Senhor é certa, embora ninguém saiba o dia nem a hora (cf. Mt 24,36); aos crentes resta estar vigilantes, preparados e activos… Para transmitir esta mensagem, Mateus usa três quadros… O primeiro (vers. 37-39) é o quadro da humanidade na época de Noé: os homens viviam, então, numa alegre inconsciência, preocupados apenas em gozar a sua “vidinha” descomprometida; quando o dilúvio chegou, apanhou-os de surpresa e impreparados… Se o “gozar” a vida ao máximo for para o homem a prioridade fundamental, ele arrisca-se a passar ao lado do que é importante e a não cumprir o seu papel no mundo.
O segundo (vers. 40-41) coloca-nos diante de duas situações da vida quotidiana: o trabalho agrícola e a moagem do trigo… Os compromissos e trabalhos necessários à subsistência do homem também não podem ocupá-lo de tal forma que o levem a negligenciar o essencial: a preparação da vinda do Senhor. O terceiro (vers. 43-44) coloca-nos frente ao exemplo do dono de uma casa que adormece e deixa que a sua casa seja saqueada pelo ladrão… Os crentes não podem, nunca, deixar-se adormecer, pois o seu adormecimento pode levá-los a perder a oportunidade de encontrar o Senhor que vem.
A questão fundamental é, portanto, esta: o crente ideal é aquele que está sempre vigilante, atento, preparado, para acolher o Senhor que vem. Não perde oportunidades, porque não se deixa distrair com os bens deste mundo, não vive obcecado com eles e não faz deles a sua prioridade fundamental… Mas, dia a dia, cumpre o papel que Deus lhe confiou, com empenho e com sentido de responsabilidade.
In Dehonianos - Liturgia

terça-feira, 23 de novembro de 2010

MEDITAÇÃO DE BENTO XVI SOBRE CRISTO REI




Angelus
21 de novembro de 2010

Queridos irmãos e irmãs

... A solenidade de Cristo Rei foi instituída pelo Papa Pio XI, em 1925, e, mais tarde, depois do Vaticano II, colocou-se ao final do ano litúrgico. O Evangelho de São Lucas apresenta, como num grande quadro, a realiza de Jesus no momento da crucifixão. Os chefes do povo e os soldados escarnecem do “primogénito de toda criatura” (Col 1, 15) e colocam-no à prova para ver se tem o poder para se salvar da morte (cf. Lc 23, 35-37). No entanto, “precisamente na cruz, Jesus está à altura de Deus, que é Amor. Ali se lhe pode ‘conhecer’. [...] Jesus nos dá ‘vida’ porque nos dá Deus. Pode-nos dar porque ele mesmo é um com Deus” (Bento XVI, "Jesus de Nazaré", Milão 2007, 399 404).
De facto, enquanto o Senhor parece passar desapercebido entre dois malfeitores, um deles, consciente de seus pecados, abre-se à verdade, alcança a fé e implora “ao rei dos judeus”: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino” (Lc 23, 42). De quem “é antes de todas as coisas e nele todas subsistem (Col 1, 17), o chamado “bom ladrão” recebe imediatamente o perdão e a alegria de entrar no Reino dos Céus. “Eu te asseguro que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Com estas palavras, Jesus, desde o trono da cruz, dá as boas-vindas a todos com misericórdia infinita.
Santo Ambrósio comenta que “é um bom exemplo de conversão ao que devemos aspirar: muito rápido ao ladrão é concedido perdão, e a graça é mais abundante que o pedido; o Senhor, de fato, diz Santo Ambrósio, sempre concede o que lhe é pedido [...] A vida consiste em estar com Cristo, porque onde está Cristo, ali está o Reino” (Expositio Evangelii secundum Lucam X, 121:.. CCL 14, 379).
Queridos amigos, o caminho do amor, que o Senhor nos revela e nos convida a percorrer, pode-se contemplar inclusive na arte cristã. De facto, antigamente, “na configuração dos edifícios sagrados [...] tornou-se habitual representar no lado oriental o Senhor que regressa como rei – imagem da esperança –, enquanto que do lado ocidental estava o Juízo final, como imagem da responsabilidade a respeito de nossa vida” (encíclica Spe Salvi, 41): esperança no amor infinito de Deus e compromisso para ordenar a nossa vida segundo o amor de Deus. Quando contemplamos as representações de Jesus inspiradas no Novo Testamento, como ensina um antigo Concílio, somos levados a “compreender [...] a sublimidade da humilhação do Verbo de Deus e [...] a recordar sua vida na carne, sua paixão e morte salvífica e a redenção que dela se deriva para o mundo” (Concílio de Trullo [ano 691 ou 692], canon 82). “Sim, necessitamos dela para ser capazes de reconhecer no coração traspassado do Crucificado o mistério de Deus (Joseph Ratzinger, Teologia della liturgia. La fondazione sacramentale dell'esistenza cristiana, LEV, 2010, 69).


In, www.zenit.org

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O voto de virgindade de Maria (I)


Conhecemos muito pouco sobre a adolescência de Maria. Distinguimos, apenas, um facto, o que nos basta para adivinhar a sequência: trata-se do voto de virgindade que fizera e que ela refere ao anjo, logo no início da sua visita, com uma entonação que pode parecer um pouco estranha.
Isso indica um desígnio, um propósito amadurecido. E, se pudermos supor como esse seu desígnio é verdadeiro, genuíno, apesar dos seus quinze anos, devemos imaginar que ela era criança precoce tendo, bem cedo, sondado a existência, e percorrido, com sábia maturidade, as dimensões da vida.
Para julgar esse propósito de se manter virgem e compreender a agudeza de espírito, convém lembrar a mentalidade dos Judeus, em relação à virgindade. A primeira lei do Criador ditava: “Crescei e multiplicai-vos.” E o primeiro instinto do povo escolhido (que se confundia com o seu primeiro e principal dever) era o de se comportar como povo, garantindo, então, a sobrevivência.
A mulher judia não conhece opóbrio maior do que a esterilidade, que é sinal do desprezo de Deus por ela. E, como não é possível conceber uma nova geração sem a carne, o ser que não pode procriar é um ser diminuído, desprezado, privado da imortalidade temporal, tendo fracassado em sua missão. Nós temos dificuldade em compreender esta ideia, este modo de agir, pois estamos impregnados do Cristianismo e nele não podemos deixar de projectar novas luzes sobre antigas sombras.


Jean Guitton
A Virgem Maria, pp 27-28
Edições Montaigne, 1949
In www. mariedenazareth.org

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Maria e o Islão - II

Referindo-se a Maria, o sentido que os pensadores muçulmanos dão ao privilégio recebido por ela, ressente-se de um “minimalismo”, em termos da vida da graça… Todos consideram que Maria foi preservada de qualquer mácula.

Al-Alousi resume o ensinamento habitual. Eis a sua substância: Deus purificou Maria de todas as máculas comuns às mulheres (como a menstruação, a sequência do parto etc.); purificou-a, da incredulidade, dando-lhe fé inabalável, e da indocilidade, concedendo-lhe a virtude inalterável da obediência; livrando-a, enfim, dos defeitos inerentes à alma e ao carácter dos seres humanos.

E mais - conclui Al-Alousi - o mais correcto é tomar a palavra “purificação” no sentido mais vasto e admitir que Deus concedeu a Maria o privilégio de ser pura e isenta de todas as máculas, no sentido próprio e no sentido figurado, as manchas do coração, dos sentimentos e as da carne; deste modo, ela esteve pronta para receber a completa “profusão do Espírito” .

O minimalismo do sobrenatural é compensado pelo esplendor do que é maravilhoso e arrebatador, sob uma forma concreta e, igualmente, extraordinária e cândida. Assim, para Maria, por vontade expressa de Deus, uma espécie de cortina, uma espécie de filtro interpôs-se entre ela e Satã, no momento do seu nascimento.

J-M. Abd-El-Jadil,
Maria e o Islã, pp. 18 e 19
Ed. Beauchesne, 1950
In www. mariedenazareth.org

domingo, 14 de novembro de 2010

O Islão e o nascimento imaculado de Maria (I)


O Alcorão não é muito explícito; porém, a tradição muçulmana proclama, unanimemente, o extraordinário privilégio de Maria e do seu Filho: o facto de ambos terem sido preservados de qualquer contacto satânico no momento do nascimento.

Eis a versão mais divulgada deste célebre hadîth (transmissão oral da notícia de um ditado, de um ato, de um fato): “Todos os filhos recém-nascidos de Adão são tocados por Satã, menos o Filho de Maria e sua Mãe; quando acontece tal contacto, a criança dá o seu primeiro grito”.

Todos os comentários reproduzem este primeiro hadîth, que está entre as mais sólidas tradições do Islão, visto que está incluído nas duas antologias que usufruem da autoridade máxima (são elas, a de Boukhari e a de Mouslime).

E sempre que esse privilégio de Jesus e de Maria recebeu ataques de pensadores muçulmanos sobre a sua existência ou sobre o seu significado, os representantes da ortodoxia defenderam-no vigorosamente.


J-M. Abd-El-Jadil,
Maria e o Islã, p. 17
Ed. Beauchesne, 1950
In www. mariedenazareth.org

domingo, 7 de novembro de 2010

E, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus

32º Domingo do Tempo Comum


07 de Novembro de 2010


Evangelho – Lc 20,27-38



Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus – que negam a ressurreição – e fizeram-Lhe a seguinte pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?»
Disse-lhes Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. Na verdade, já nem podem morrer, pois são como os Anjos, e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».



AMBIENTE



Este texto situa-nos já em Jerusalém, nos últimos dias antes da morte de Jesus. É a altura das grandes controvérsias com os líderes judaicos (essas controvérsias representam, para Lucas, a última oportunidade que Deus dá ao seu Povo, no sentido de acolher a salvação). Discussão após discussão, torna-se claro que os líderes judaicos rejeitam a proposta de Jesus: prepara-se, assim, o quadro da paixão e da morte na cruz.
Os adversários de Jesus são, no contexto em que o Evangelho deste domingo nos coloca, os saduceus. No tempo de Jesus, os saduceus formavam um grupo aristocrático, recrutado sobretudo entre os sacerdotes da classe superior. Exerciam a sua autoridade à volta do Templo e dominavam o Sinédrio (no entanto, a sua autoridade nessa instituição não era absoluta desde que os fariseus aí haviam chegado). A sua importância política era real, ainda que muito limitada pela presença do procurador romano. Politicamente, eram conservadores e entendiam-se bem com o
opressor romano… Pretendiam manter a situação, para não ver comprometidos os benefícios políticos, sociais e económicos de que desfrutavam.
Para os saduceus, apenas interessava a Lei escrita – a “Torah”. Negavam que a Lei oral (que era essencial para os fariseus) tivesse qualquer valor. Este apego conservador à Lei escrita explica que negassem algumas crenças e doutrinas admitidas nos ambientes populares frequentados pelos fariseus. Por isso, não aceitavam a ressurreição dos mortos: nenhum versículo da “Torah” apoiava essa crença.
No seu conflito com os fariseus, estava em jogo uma certa visão da sociedade e do poder. Os fariseus não viam com agrado a “democratização” da Lei promovida pelos fariseus e pelos seus escribas. Esta “democratização” apresentava o inconveniente de fazer os sacerdotes perder a sua autoridade como intérpretes da Lei. Diante do povo, os saduceus mostravam-se distantes, severos, intocáveis.



MENSAGEM



A questão central do nosso texto gira à volta da ressurreição, um tema que não significava nada para os saduceus. Percebendo que, quanto a essa questão, a perspectiva de Jesus estava próxima da dos fariseus, os saduceus apresentaram uma hipótese académica, com o objectivo de ridicularizar a crença na ressurreição: uma mulher casou, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato (segundo a qual, o irmão de um defunto que morreu sem filhos devia casar com a viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família fossem parar a mãos estranhas, cf. Dt 25,5-10). Quando ressuscitarem, ela será mulher de qual dos irmãos? A primeira parte da resposta de Jesus (vers. 27-36) afirma que a ressurreição não é
(como pensavam os fariseus do tempo) uma simples continuação da vida que vivemos neste mundo (na linha de uma revivificação – ideia apresentada na primeira leitura), mas uma vida nova e distinta, uma vida de plenitude que dificilmente podemos entender a partir das nossas realidades quotidianas. A questão do casamento não se porá, então (a expressão “são semelhantes aos anjos” do vers. 30 não é uma expressão de depreciação do matrimónio, mas a afirmação de que, nessa vida nova, a única preocupação será servir e louvar a Deus). O poder de Deus, que chama os homens da morte à vida, transforma e assume a totalidade do ser humano, de forma que nascemos para uma vida totalmente nova e em que as nossas potencialidades serão elevadas à plenitude. A nossa capacidade de compreensão deste mistério é limitada, pois estamos a contemplar as coisas e a classificá-las à luz das nossas realidades terrenas; no entanto, a ressurreição que nos espera ultrapassa totalmente a nossa realidade terrena.
A segunda parte da resposta de Jesus (vers. 37-38) é uma afirmação da certeza da ressurreição. Como não podia apoiar-se nos textos recentes da Escritura (como Dn 12,2-3), que sugeriam a fé na ressurreição (pois esses textos não tinham qualquer valor para os saduceus), Jesus cita-lhes a “Torah” (cf. Ex 3,6): no episódio da sarçaardente, Jahwéh revelou-Se a Moisés como “o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”… Ora, se Deus Se apresenta dessa forma – muitos anos depois de Abraão, Isaac e Jacob terem desaparecido deste mundo – isso quer dizer que os patriarcas não estão mortos (um homem “morto” – ou seja, um homem reduzido ao estado de uma sombra inconsciente e privada de vida no “sheol”, segundo a ideia semita corrente – tinha perdido a protecção de Deus, pois já não existia como homem vivo e consciente). Na perspectiva de Jesus, portanto, os patriarcas não estão reduzidos ao estado de sombras na obscuridade absoluta do “sheol”, mas vivem actualmente em Deus. Conclusão: se Abraão, Isaac e Jacob estão vivos, podemos falar em ressurreição.




In Dehonianos - Liturgia

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A IGREJA CATÓLICA NO MÉDIO ORIENTE




Terminou este Domingo em Roma o Sínodo dos Bispos para o Médio Oriente, convocado pelo Papa Bento XVI. Enquanto aguardamos os textos finais vale a pena retomar um trecho do documento inicial (Lineamenta) que orientou os trabalhos dos padres sinodais.
O texto que escolhemos da Introdução descreve o percurso histórico das comunidades cristãs na Terra Santa. Vale a pena a sua leitura para nos situarmos com realismo perante a realidade que vamos encontrar.




A IGREJA CATÓLICA NO MÉDIO ORIENTE



1. Breve excursus histórico: unidade na verdade
Todas as Igrejas católicas no Médio Oriente, assim como cada comunidade cristã no mundo, remontam à primeira Igreja cristã de Jerusalém, unida pelo Espírito Santo no dia de Pentecostes. Elas dividiram-se no século V, depois dos Concílios de Éfeso e de Calcedónia, principalmente por questões cristológicas. Antes da divisão, ela deu vida às Igrejas conhecidas hoje com o nome de "Igreja Apostólica Assíria do Oriente" (que era chamada nestoriana) e "Igrejas Ortodoxas Orientais", ou seja, as Igrejas coptas, sírias e arménias, que eram chamadas monofisitas. Muitas vezes estas divisões tiveram lugar também por motivos político-culturais, como mostram os teólogos medievais do Oriente pertencentes às três grandes tradições denominadas "melquitas", "jacobitas" e "nestorianas". Todos eles ressaltaram que na base desta divisão não havia algum motivo dogmático. Em seguida, deu-se o grande cisma do século XI, que separou Constantinopla de Roma e, sucessivamente, o Oriente Ortodoxo do Ocidente Católico. Todas estas divisões ainda hoje existem nas várias Igrejas do Médio Oriente.
Depois das divisões e das separações, foram empreendidos periodicamente esforços para reconstruir a unidade do Corpo de Cristo. Neste esforço de ecumenismo formaram-se as Igrejas católicas orientais: arménia, caldeia, melquita, síria e copta. No início estas Igrejas foram tentadas pela polémica com as Igrejas ortodoxas irmãs, mas com frequência foram também fervorosas defensoras do Oriente cristão.
A Igreja maronita manteve a própria unidade no âmbito da Igreja universal e não conheceu, no decurso da sua história, uma divisão eclesial interna. O Patriarcado Latino de Jerusalém, instituído com as Cruzadas, foi restabelecido no século XIX, graças à presença contínua dos Padres Franciscanos, sobretudo na Terra Santa, desde o início do século XIII.
Hoje as Igrejas católicas do Oriente são sete, na maioria árabes ou arabizadas. Algumas delas estão presentes também na Turquia e no Irão. Provêm de tradições culturais, e portanto também litúrgicas, diferentes: grega, síria, copta, arménia ou latina, o que constitui a sua admirável riqueza e complementaridade. Elas estão unidas na mesma comunhão com a Igreja universal em volta do Bispo de Roma, sucessor de Pedro, corifeu dos apóstolos (hâmat ar-rusul). A sua riqueza deriva da sua própria diversidade, mas o excessivo apego ao rito e à cultura pode empobrecê-las. A colaboração entre os fiéis é habitual e natural, a todos os níveis.



2. Apostolicidade e vocação missionária
De resto, as nossas Igrejas são de origem apostólica e os nossos países foram o berço do Cristianismo. Como disse o Santo Padre Bento XVI a 9 de Junho de 2007, elas são guardiãs viventes das origens cristãs[1]. São terras abençoadas pela presença do próprio Cristo e pelas primeiras gerações cristãs. Seria uma perda para a Igreja universal se o Cristianismo desaparecesse ou se debilitasse precisamente lá onde nasceu. Temos neste aspecto uma grave responsabilidade: não só manter a fé cristã nestas terras santas, mas ainda mais, manter o espírito do Evangelho nestas populações cristãs e nas suas relações com as não cristãs, e conservar a memória das origens.
Enquanto apostólicas, as nossas Igrejas têm a missão particular de anunciar o Evangelho a todo o mundo. Ao longo da história, este impulso estimulou diversas das nossas Igrejas: em Núbia e na Etiópia, na Península Arábica, na Pérsia, na Índia, até à China. Hoje devemos verificar que este impulso evangélico com frequência é contido e a chama do Espírito parece ter-se debilitado.
Agora, para a nossa história e a nossa cultura, estamos próximos de milhões de pessoas, quer cultural quer espiritualmente. Portanto, compete a nós partilhar com eles a mensagem de amor do Evangelho que recebemos. Neste momento no qual populações inteiras estão desorientadas e procuram um indício de esperança, nós podemos dar-lhes a esperança que está em nós pelo espírito que foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5, 5).



3. Papel dos cristãos na sociedade, apesar de serem uma minoria
Não obstante as suas diferenças, as nossas sociedades árabes, turcas e iranianas têm características comuns. A tradição e o modo de vida tradicional prevalecem, sobretudo no que se refere à família e à educação. O confessionalismo marca tanto as relações entre os cristãos como com os não-cristãos e reflecte-se profundamente nas mentalidades e nos comportamentos. A religião é um elemento de identificação que pode separar do outro.
A modernidade penetra cada vez mais na sociedade: o acesso às redes televisivas do mundo e a Internet introduziram, na sociedade civil e entre os cristãos, novos valores mas também uma perda de valores. Como resposta, difundem-se cada vez mais os grupos fundamentalistas islâmicos. O poder reage com o autoritarismo, com o controle da imprensa e da mídia, enquanto a maioria aspira por uma verdadeira democracia.
Apesar de os cristãos serem em todas as partes do Médio Oriente uma escassa minoria (com excepção do Líbano), que vai de menos 1% (Irão, Turquia) a 10% (Egipto), contudo eles irradiam dinamismo activo. O perigo consiste no fechamento em si e no receio do outro. Por isso, é necessário que fortaleçamos a fé e a espiritualidade dos nossos fiéis e, ao mesmo tempo, reforcemos o vínculo social e a solidariedade entre eles, sem cair numa atitude guetizante. Por outro lado, a educação é o maior investimento. As nossas Igrejas e as nossas escolas poderiam ajudar mais os menos afortunados.

Vaticano, 8 de Dezembro de 2009




In, www.vatican.va

domingo, 24 de outubro de 2010

A Rainha do Sabat


O Shabat


O Shabat (do hebraico שבת, shabāt; shabos ou shabes na pronúncia asquenazita, "descanso/inatividade"), também grafado como sabat (português), é o nome dado ao dia de descanso semanal no judaísmo, simbolizando o sétimo dia no Génesis, após os seis dias da Criação. Apesar de ser comummente dito ser o sábado de cada semana, é observado a partir do pôr-do-sol da sexta-feira até o pôr-do-sol do sábado. O exacto momento de início e final do shabat varia de semana para semana e de lugar para lugar, de acordo com o horário do pôr-do-sol.
O shabat é observado tanto por mandamentos positivos, como as três refeições festivas (jantar de sexta-feira, almoço de sábado e refeição de final de tarde no sábado), e restrições. As actividades proibidas no shabat derivam de trinta e nove acções básicas (melachot, livremente traduzido como "trabalhos") que são descritas pelo Talmud a partir de fontes bíblicas

A Rainha de Sabat e Maria
No Judaísmo o Sabat* representa, na terra, a vida pré-messiânica, uma espécie de antecâmara do Céu, um antegozo da vida que está por vir. E o próprio Sabat é visto, misticamente, como uma Virgem (quer dizer, noiva) Rainha: a Rainha de Sabat.
Em cada sexta-feira à noite, o Sabat iminente é saudado com o canto:

Vem, meu bem-amado,
Saudemos Sabat, a noiva, a Rainha dos nossos dias.
Vinde, saudemos todos Sabat, a Rainha suprema.
Fonte das bênçãos em todas as religiões do mundo,
Ungida e reinando desde os tempos mais remotos,
Já imaginada e preconcebida por Deus, precedeu os seis dias da Criação.

Vem, meu bem-amado,
Saudemos Sabat, a noiva, a Rainha dos nossos dias.
Levanta-te e sacode a poeira da terra,
Reveste-te com gloriosas vestes que fazem distinguir teu valor.
O Messias nos conduzirá a todos a esse novo nascimento,
Minhalma volta a sentir agora, os raios ardentes da redenção.

Vem, meu bem-amado,
Saudemos Sabat, a noiva, a Rainha dos nossos dias.
Desperta e levanta-te, para saudar a nova luz,
Pois, em teu esplendor, o mundo será iluminado.
Canta, que as trevas já desapareceram do nosso olhar.
O Senhor manifesta a sua Glória através de ti.

Vem, meu bem-amado,
Saudemos Sabat, a noiva, a Rainha dos nossos dias.
Então, teus destruidores é que serão destruídos,
Os devastadores ao longe, viverão no vazio,
Teu Deus, então, celebrará envolto num excesso de alegria,
Como um noivo que reencontra o olhar da sua noiva.

Nesta oração, encontramos, alguns paralelos entre as imagens do Sabat e a compreensão católica da Bem-aventurada Virgem Maria, como Rainha do Céu.

Roy Schoeman
In, www.mariedenazareth.com

sábado, 23 de outubro de 2010

Todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado



30º Domingo do Tempo Comum

24 de Outubro de 2010


Evangelho – Lc 18,9-14


Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; Mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».


AMBIENTE


Mais uma vez, Lucas coloca-nos no “caminho de Jerusalém”, para nos deixar uma lição sobre o “Reino”. Desta vez, Jesus propõe uma parábola “para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”. Os protagonistas da história são um fariseu e um publicano. Os “fariseus” formavam um dos grupos mais interessantes e com mais impacto na sociedade palestina do tempo de Jesus. Descendentes desses “piedosos” (“hassidim”) que apoiaram o heróico Matatias na luta contra Antíoco IV Epifanes e a helenização forçada, eram os defensores intransigentes da “Torah” (quer da “Torah” escrita, quer da “Torah” oral – isto é, dos preceitos não escritos, mas que os fariseus tinham deduzido da “Torah” escrita); no dia a dia, procuravam cumprir escrupulosamente a Lei e esforçavam-se por ensinar a Lei ao Povo: só assim – pensavam eles – o Povo chegaria a ser santo e o Messias poderia vir trazer a salvação a Israel. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus. No entanto, o seu fundamentalismo em relação à “Torah” será, várias vezes, criticado por Jesus: ao afirmarem a superioridade da Lei, desprezavam muitas vezes o homem e criavam no Povo um sentimento latente de pecado e de indignidade que oprimia as consciências. Os “publicanos” estavam ligados à cobrança dos impostos, ao serviço das forças romanas de ocupação. Tinham fama de utilizar o seu cargo para enriquecer de modo imoral; e é preciso dizer que, na generalidade, essa fama era bem merecida. De acordo com a Mishna, estavam afectados permanentemente de impureza e não podiam sequer fazer penitência, pois eram incapazes de conhecer todos aqueles a quem tinham defraudado e a quem deviam uma reparação. Se um publicano, antes de aceitar o cargo, fazia parte de uma comunidade farisaica, era imediatamente expulso dela e não podia ser reabilitado, a não ser depois de abandonar esse cargo. Quem exercia tal ofício, estava privado de certos direitos cívicos, políticos e religiosos; por exemplo, não podia ser juiz nem prestar testemunho em tribunal, sendo equiparado ao escravo.

MENSAGEM

No fariseu e no publicano da parábola, Lucas põe em confronto dois tipos de atitude face a Deus. O fariseu é o modelo de um homem irrepreensível face à Lei, que cumpre todas as regras e leva uma vida íntegra. Ele está consciente de que ninguém o pode acusar de cometer acções injustas, nem contra Deus, nem contra os irmãos (e, aparentemente, é verdade, pois a parábola não nos diz que ele estivesse a mentir). Evidentemente, está contente (e tinha razões para isso) por não ser como esse publicano que também está no Templo: os fariseus tinham consciência da sua superioridade moral e religiosa, sobretudo em relação aos pecadores notórios (como é o caso deste publicano). O publicano é o modelo do pecador. Explora os pobres, pratica injustiças, trafica com a miséria e não cumpre as obras da Lei. Ele tem, aliás, consciência da sua indignidade, pois a sua oração consiste apenas em pedir: “meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador”. O comentário final de Jesus sugere que o publicano se reconciliou com Deus (a expressão utilizada é “desceu justificado para sua casa” – o que nos leva à doutrina paulina da justificação: apesar de o homem viver mergulhado no pecado, Deus, na sua misericórdia infinita e sem que o homem tenha méritos, salva-o). Porquê? O problema do fariseu é que pensa ganhar a salvação com o seu próprio esforço. Para ele, a salvação não é um dom de Deus, mas uma conquista do homem; se o homem levar uma vida irrepreensível, Deus não terá outro remédio senão salvá-lo. Ele está convencido de que Deus lhe deve a salvação pelo seu bom comportamento, como se Deus fosse apenas um contabilista que toma nota das acções do homem e, no fim, lhe paga em consequência. Ele está cheio de auto-suficiência: não espera nada de Deus, pois – pensa ele – os seus créditos são suficientes para se salvar. Por outro lado, essa auto-suficiência leva-o, também, ao desprezo por aqueles que não são como ele; considera-se “à parte”, “separado”, como se entre ele e o pecador existisse uma barreira… É meio caminho andado para, em nome de Deus, criar segregação e exclusão: é aí que leva a religião dos “méritos”. O publicano, ao contrário, apoia-se apenas em Deus e não nos seus méritos (que, aliás, não existem). Ele apresenta-se diante de Deus de mãos vazias e sem quaisquer pretensões; entrega-se apenas nas mãos de Deus e pede-Lhe compaixão… E Deus “justifica-o” – isto é, derrama sobre ele a sua graça e salva-o – precisamente porque ele não tem o coração cheio de auto-suficiência e está disposto a aceitar a salvação que Deus quer oferecer a todos os homens. Esta parábola, destinada a “alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”, sugere que esses que se presumem de justos estão, às vezes, muito longe de Deus e da salvação.


In Dehonianos - Liturgia

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Nazaré e o Sinai, mensageiros da universalidade


O Sinai, como já nos faziam observar certos autores do antigo judaísmo, situa-se fora da terra prometida da Palestina. Mesmo não inerente à Terra Santa, esta montanha foi escolhida por Deus, objectivando oferecer a Israel, o seu dom maior, que é a Torá.


Por que teria Deus empregue esta estratégia? Resposta: porque o Senhor destinava a sua Lei, não somente a Israel, mas igualmente, a todos os povos, por intermédio de Israel.



Nazaré da Galileia é, também, uma localidade quase às margens da Terra Santa; a Galileia é a terra dos estrangeiros (Is 8, 23 nos Setenta e Mt 4, 15). O que pode, então, resultar de positivo, de bom? Assim pensam os homens. Em contrapartida, os caminhos de Deus são bem diferentes dos nossos. Observamos, efectivamente, que na geografia dos Evangelhos, a Galileia torna-se sinónimo de universalidade.
Jesus, o novo Moisés, ali pronunciou seu discurso inaugural das Bem-aventuranças (Mt 5, 1-12); ali operou o primeiro e protótipo de todos os sinais (Jô 2, 1-12); após a ressurreição, ali ordenou aos apóstolos que pregassem o Evangelho a todas as nações (Mt 28, 16-20).




E foi em Nazaré da Galileia que o Verbo se fez carne.

sábado, 16 de outubro de 2010

«Orar sempre sem desanimar»





29º Domingo do Tempo Comum


17 de Outubro de 2010



Evangelho - Lc 18, 1-8

Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos uma parábola sobre a necessidade de orar sempre sem desanimar: «Em certa cidade vivia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. Havia naquela cidade uma viúva que vinha ter com ele e lhe dizia: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário’. Durante muito tempo ele não quis atendê-la. Mas depois disse consigo: ‘É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens; mas, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, para que não venha incomodar-me indefinidamente’».
E o Senhor acrescentou: «Escutai o que diz o juiz iníquo!... E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa. Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre esta terra?»


AMBIENTE
O Evangelho apresenta-nos mais uma etapa do “caminho de Jerusalém”. O texto que hoje nos é proposto vem na sequência do discurso escatológico sobre a vinda gloriosa do Filho do Homem (cf. Lc 17,20-37). A parábola do juiz e da viúva deve, pois, ser entendida neste ambiente.
Trata-se de um texto que não tem paralelo noutro evangelista; no entanto, é similar à parábola do amigo importuno que vem pedir pão a meio da noite e que é atendido por causa da sua insistência (cf. Lc 11,5-8).
Não esqueçamos que Lucas escreveu o terceiro Evangelho durante a década de 80… É uma época em que as comunidades cristãs sofrem por causa da hostilidade dos judeus e dos pagãos e em que já se anunciam as grandes perseguições que dizimaram as comunidades cristãs no final do séc. I. Os cristãos estão inquietos, desanimados e anseiam pela segunda vinda de Cristo – isto é, pela intervenção definitiva de Deus na história para derrotar os maus e salvar o seu Povo.


MENSAGEM
O nosso texto consta de uma parábola e da sua aplicação teológica.
Os personagens centrais da parábola (vers 2-5) são uma viúva e um juiz. A viúva, pobre e injustiçada (na Bíblia, é o protótipo do pobre sem defesa, vítima da prepotência dos ricos e dos poderosos), passava a vida a queixar-se do seu adversário e a exigir justiça; mas o juiz, “que não temia Deus nem os homens”, não lhe prestava qualquer atenção… No entanto, o juiz – apesar da sua dureza e insensibilidade – acabou por fazer justiça à viúva, a fim de se livrar definitivamente da sua insistência importuna. Apresentada a parábola, vem a sua aplicação teológica (vers. 6-8). Se um juiz prepotente e insensível é capaz de resolver o problema da viúva por causa da sua insistência, Deus (que não é, nem de perto nem de longe, um juiz prepotente e sem coração) não iria escutar os “seus eleitos que por Ele clamam dia e noite e iria fazê-los esperar muito tempo?”
Naturalmente, estamos diante de uma pergunta retórica. É evidente que, se até um juiz insensível acaba por fazer justiça a quem lhe pede com insistência, com muito mais motivo Deus – que é rico em misericórdia e que defende sempre os débeis – estará atento às súplicas dos seus filhos.
Dado o contexto em que a parábola aparece, é certo que Lucas pretende dirigir-se a uma comunidade cristã cercada pela hostilidade do mundo, que começava a ver no horizonte próximo o espectro das perseguições e que estava desanimada porque, aparentemente, Deus não escutava as súplicas dos crentes e não intervinha no mundo para salvar a sua Igreja. A resposta que Lucas deixa aos seus cristãos é a seguinte: ao contrário do que parece, Deus não abandonou o seu Povo, nem é insensível aos seus apelos; Ele tem o seu projecto, o seu plano e o seu tempo próprio para intervir… Aos crentes resta moderar a sua impaciência e confiar em que Ele não deixará de intervir para os libertar. Que é que tudo isto tem a ver com a oração? Porque é que esta é uma parábola sobre a necessidade de rezar (“Jesus disse-lhes uma parábola sobre a necessidade de orar sempre, sem desanimar” – vers. 1)? Lucas pede aos cristãos a quem a mensagem se destina que, apesar do aparente silêncio de Deus, não deixem nunca de dialogar com Ele. É nesse diálogo que entendemos os projectos e os ritmos de Deus; é nesse diálogo que Deus transforma os nossos corações; é nesse diálogo que aprendemos a entregar-nos nas mãos de Deus e a confiar n’Ele. Sobretudo, que nada (nem o desânimo, nem a desconfiança perante o silêncio de Deus) nos leve a desistir de uma verdadeira comunhão e de um profundo diálogo com Deus.




In Dehonianos - Liturgia

domingo, 10 de outubro de 2010

«A tua fé te salvou»

28º Domingo do Tempo Comum
10 de Outubro de 2011

EVANGELHO – Lc 17,11-19

Naquele tempo, indo Jesus a caminho de Jerusalém, passava entre a Samaria e a Galileia. Ao entrar numa povoação, vieram ao seu encontro dez leprosos. Conservando-se a distância, disseram em alta voz: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós». Ao vê-los, Jesus disse-lhes: «Ide mostrar-vos aos sacerdotes». E sucedeu que no caminho ficaram limpos da lepra. Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto por terra aos pés de Jesus para Lhe agradecer. Era um samaritano. Jesus, tomando a palavra, disse: «Não foram dez que ficaram curados? Onde estão os outros nove? Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?» E disse ao homem: «Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou».

AMBIENTE
Mais uma vez Lucas apresenta um episódio situado no “caminho de Jerusalém” (esse “caminho espiritual”, ao longo do qual os discípulos vão aprendendo e interiorizando os valores e a realidade do “Reino”). No “caminho” de Jesus e dos discípulos aparecem, portanto, dez leprosos. O leproso é, no tempo de Jesus, o protótipo do marginalizado… Além de causar naturalmente repugnância pela sua aparência e de infundir medo de contágio, o leproso é um impuro ritual (cf. Lev 13-14), a quem a teologia oficial atribuía pecados especialmente gravosos (a lepra era o castigo de Deus para esses pecados); por isso, o leproso não podia sequer entrar na cidade de Jerusalém, a fim de não despurificar a cidade santa.
Devia afastar-se de qualquer convívio humano para que não contaminasse os outros com a sua impureza física e religiosa. Em caso de cura, devia apresentar-se diante de um sacerdote, a fim de que ele comprovasse a cura e lhe permitisse a reintegração na vida normal (cf. Lev 14). Podia, então, voltar a participar nas celebrações do culto. Um dos leprosos (precisamente aquele que vai desempenhar o papel principal, neste episódio) é samaritano. Os samaritanos eram desprezados pelos judeus de Jerusalém, por causa do seu sincretismo religioso. A desconfiança religiosa dos judeus em relação aos samaritanos começou quando, em 721 a.C. (após a queda do reino do Norte), os colonos assírios invadiram a Samaria e começaram a misturar-se com a população local. Para os judeus, os habitantes da Samaria começaram, então, a paganizar-se… Após o regresso do exílio da Babilónia, os habitantes de Jerusalém recusaram qualquer ajuda dos samaritanos na reconstrução do Templo e evitaram os contactos com esses hereges, “raça misturada com pagãos”. A construção de um santuário samaritano no monte Garizim consumou a separação e, na perspectiva judaica, lançou definitivamente os samaritanos nos caminhos da infidelidade a Jahwéh. Algumas picardias mútuas nos séculos seguintes consolidaram a inimizade entre judeus e samaritanos. Na época de Jesus, a relação entre as duas comunidades era marcada por uma grande hostilidade.

MENSAGEM
O episódio dos dez leprosos (que é exclusivo de Lucas) insere-se perfeitamente na óptica teológica de um evangelho cujo objectivo fundamental é apresentar Jesus como o Deus que Se fez pessoa para trazer, com gestos concretos, a salvação/libertação a todos os homens, particularmente aos oprimidos e marginalizados.
É esse o ponto de partida da história que Lucas nos conta: ele mostra que Deus tem uma proposta de vida nova e de libertação para oferecer a todos os homens. O número dez tem, certamente, um significado simbólico: significa “totalidade” (o judaísmo considerava necessário que pelo menos dez homens estivessem presentes, a fim de que a oração comunitária pudesse ter lugar, porque o “dez” representa a totalidade da comunidade). A presença de um samaritano no grupo indica, contudo, que essa salvação oferecida por Deus, em Jesus, não se destina apenas à comunidade do “Povo eleito”, mas se destina a todos os homens, sem excepção, mesmo àqueles que o judaísmo oficial considerava definitivamente afastados da salvação.
Contudo, o acento do episódio de hoje é posto – mais do que no episódio da cura em si – no facto de que, dos dez leprosos curados, só um tenha voltado para trás para agradecer a Jesus e no facto de este ser um samaritano. Lucas está interessado em mostrar que quem recebe a salvação deve reconhecer o dom de Deus e deve estar agradecido… E avisa que, com frequência, são os hereges, os marginais, os desprezados, aqueles que a teologia oficial considera à margem da salvação, que estão mais atentos aos dons de Deus. Haverá aqui, certamente, uma alusão à autosuficiência dos judeus que, por se sentirem “Povo eleito”, achavam natural que Deus os cumulasse dos seus dons; no entanto, não reconheceram a proposta de salvação que, através de Jesus, Deus lhes ofereceu… Certamente haverá aqui, também, um apelo aos discípulos de Jesus, para que não ignorem o dom de Deus e saibam responder-Lhe com a gratidão e a fé (entendida como adesão a Jesus e à sua proposta de salvação).
In Dehonianos - Liturgia

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

São Jerónimo


S. Jerónimo, presbítero, cardeal, Doutor da Igreja, séc. IV

Nasceu em Estridon (Dalmácia, hoje Croácia) cerca do ano 340.
Tendo herdado dos pais uma pequena fortuna, aproveitou para realizar a sua vocação de amante dos estudos. Assim, viajou para Roma, onde procurou os melhores mestres de retórica e onde passou uma juventude um tanto livre. Ele mesmo nos refere com verdadeira dor os desvarios da sua juventude.
Um dos seus ideais mais intensos foi o cuidado de formar uma grande biblioteca. Outra das suas ocupações favoritas e que prova também o seu fundo sério e cristão, foi a de visitar os túmulos dos mártires. Nos Domingos, em companhia dos melhores amigos, visitava os labirintos escuros das Catacumbas, contemplava as capelas e esforçava-se por decifrar os epitáfios dos mártires.
Recebeu o baptismo do Papa Libério, já com 25 anos de idade. Viajando pela Gália, entrou em contacto com o monacato ocidental e retirou-se com alguns amigos para Aquiléia, formando uma pequena comunidade religiosa, cuja principal actividade era o estudo da Bíblia e das obras de Teologia.
São Jerónimo tinha um carácter indómito e gostava de opções radicais; desejou, portanto, conhecer e praticar o rigor da vida monástica que se vivia no Oriente, pátria do monaquismo. Esteve vários anos no deserto da Síria, entregando-se a jejuns e penitências tão rigorosas, que o levaram aos limites da morte.
Abandonando o meio monástico, dirigiu-se a Constantinopla, atraído pela fama oratória de São Gregório de Nazianzeno, que lhe abriu o espírito ao amor pela exegese da Sagrada Escritura. Por volta do ano 373 ou 374 resolveu lançar-se a uma peregrinação à Terra Santa mas uma prolongada doença obrigou-o a permanecer muito tempo em Antioquia da Síria, onde se especializou no estudo da lingual grega e prestou serviços relevantes ao bispo Paulino, que o quis ordenar sacerdote, no ano 379. No entanto, Jerónimo não sentia vocação à actividade pastoral e quase nunca exerceu o ministério sacerdotal. Tendo que optar entre a sua vocação inata de escritor e o chamamento à ascese monástica, encontrou uma conciliação entre estes extremos que marcaria o caminho da sua vida: seria um monge mas um monge para quem o retiro era ocasião para uma dedicação total ao estudo, à reflexão, à férrea disciplina necessária à produção da sua obra, que queria dedicar na sua totalidade à difusão do cristianismo. Dentro desta vocação e severa disciplina, estudou o hebraico com um esforço sobre humano e aperfeiçoou os seus conhecimentos do grego para poder compreender melhor as Escrituras nas línguas originais.
Chamado a Roma pelo Papa Dâmaso no ano 382, que o escolheu como secretário particular, recebeu do mesmo a incumbência de converter a Bíblia para o latim, graças ao conhecimento que tinha desta língua, do grego e do hebraico. O Papa desejava, de facto, uma tradução da Bíblia mais fiel em tudo aos textos originais, traduzida e apresentada num latim mais correcto, que pudesse servir de texto único e uniforme na liturgia. Até à altura existiam traduções populares muito imperfeitas e diversificadas, que criavam confusão.
O espírito de São Jerónimo fica bem retratado por estas frases que dirigiu ao Papa: “Eu mantenho-me unido a Sua Santidade, isto é, à Sé de Pedro. Sobre esta rocha sei que está fundada a Igreja. Fora da Igreja não há salvação. (…) Quem está fora da Igreja do Senhor, não pode ser puro”.
No ano de 385 São Jerónimo abandona Roma definitivamente, e toma, pela segunda vez, o caminho de Jerusalém. Depois de percorrer as colónias monásticas do deserto da Nítria, estabelece-se definitivamente em Belém, no ano de 386, onde viveu 34 anos numa contínua e incansável actividade literária, de oração e penitência.
O trabalho de São Jerónimo começado em Roma durou praticamente toda a sua vida. Na tradução, São Jerónimo revela um agudo senso crítico, um amor incontido à Palavra de Deus e uma riqueza de informações sobre os tempos e lugares relativos à Bíblia.
Como dele disse o Papa Bento XVI: A preparação literária e a ampla erudição permitiram que Jerónimo fizesse a revisão e a tradução de muitos textos bíblicos: um precioso trabalho para a Igreja latina e para a cultura ocidental. Com base nos textos originais em grego e em hebraico e graças ao confronto com versões anteriores, ele realizou a revisão dos quatro Evangelhos em língua latina, depois o Saltério e grande parte do Antigo Testamento. Tendo em conta o original hebraico e grego, a Septuaginta, a versão grega clássica do Antigo Testamento que remontava ao tempo pré-cristão, e as precedentes versões latinas, Jerónimo, com a ajuda de outros colaboradores, pôde oferecer uma tradução melhor: ela constitui a chamada "Vulgata", o texto "oficial" da Igreja latina, que foi reconhecido como tal pelo Concílio de Trento e que, depois da recente revisão, permanece o texto "oficial" da Igreja de língua latina.

Eis algumas das palavras de São Jerónimo que nos mostram a sua fidelidade, aplicada no seu trabalho: “Cumpro o meu dever, obedecendo aos preceitos de Cristo, que diz: Examinai as Escrituras e procurai e encontrareis, para que não tenha que ouvir o que foi dito aos judeus: Estais enganados, porque não conheceis as Escrituras nem o poder de Deus. Se, de facto, como diz o Apóstolo Paulo, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus, aquele que não conhece as Escrituras, não conhece o poder de Deus, nem a Sua sabedoria. Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”.
Até aos últimos momentos, São Jerónimo conservou clara a inteligência e vigorosa e firme a espada da pena. Faleceu a 30 de Setembro de 419 ou 420 perto de Belém, na sua cela, próximo à gruta da Natividade.
É reconhecido pela Igreja Católica como santo e Doutor da Igreja, e como santo pela Igreja Ortodoxa Oriental.

Ana Líbano Monteiro